sábado, 17 de agosto de 2019

S.O.S. ARROIO PELOTAS - Marcelo Dutra da Silva (*)


A ocupação indiscriminada do ambiente de margem é uma prática comum que acompanhou o processo de fixação do homem na cidade. Grandes civilizações nasceram e prosperaram explorando os serviços ambientais da margem dos
rios, o que inclui solo fértil e água doce em abundância. Grandes cidades do mundo moderno ostentam maravilhas da arquitetura e a instalação de infra-estruturas urbanas invejáveis, onde o espaço natural da margem e as funções do ecossistema foram substituídos por quilômetros de concreto armado e pavimentação, às vezes sem lugar para uma única árvore ou qualquer outro tipo de vegetação. Não se engane, nem todo lugar é lindo como o rio Sena, em Paris (França) ou rio Tâmisa, em Londres (Inglaterra), que já foi chamado de “o grande fedor”, mas que após um longo período de despoluição e re-naturalização das margens passou a abrigar diversas espécies de peixes, entre elas o salmão. A maior parte representa cenários de pura degradação, rios sufocados pelo avanço urbano, contaminados e sem vida, como o rio Ganges, na Índia e o rio Tietê, em São Paulo, no Brasil. Quem nunca ouviu falar da poluição do Guaíba, no entorno de POA? E Sinos, Gravataí e Caí te soa familiar? Os três estão entre os rios mais poluídos do país e refletem o modelo de desenvolvimento adotado pela metade norte, de crescimento econômico máximo e controle mínimo do Estado, no qual não se respeita a Lei, a natureza e nem as pessoas. E por aqui não se foge a regra, mas temos a chance de fazer diferente. Ainda não destruímos tudo e não precisamos destruir. Podemos crescer com características de sustentabilidade, sem repetir os erros de outras formas de desenvolvimento. Pelotas é a maior cidade da metade sul, que junto de Rio Grande formam uma população que supera os 500 mil habitantes (dados do IBGE Cidades). As demandas ambientais são gigantescas e tanto aqui, quanto ali, por falta de controle da administração pública, a expansão desordenada do espaço urbano avançou sobre as
margens e áreas de preservação permanente, destruindo habitats e as conexões espaciais entre os ecossistemas, reduzindo drasticamente as condições necessárias para a manutenção da biodiversidade. No arroio Pelotas, onde o espaço público de margem tornou-se privativo de poucos, a ocupação de luxo avançou e fez um estrago considerável. Patrimônio Cultural do Estado (Lei n° 11.895/03), por iniciativa do então Dep. Bernardo de Souza, vem tendo suas margens consumidas pela expansão urbana sem controle. No entanto, não é certo atribuir culpa exclusiva aos que adquiriram terrenos e lá edificaram suas casas. Margens de arroio são área de preservação permanente e zonas vulneráveis às enchentes. O administrador público jamais deveria ter permitido tal estabelecimento, a legislação é clara, nessas condições o parcelamento do solo é indevido, ou seja, não pode (consulte a Lei nº 6.766/79, que dispõe sobre o parcelamento do solo; a Lei nº 9.605/98, que dispõe sobre os crimes ambientais; e a Lei nº 12.651/12, que dispõe sobre a proteção da vegetação nativa). Mas a prefeitura aprovou, licenciou, concedeu o habite-se e realiza o recolhimento de taxas e impostos, como IPTU, água, esgoto e daqui há pouco o lixo. A maioria das pessoas não fazia ideia do problema, até que surgiram as primeiras denúncias. Muitos estão preocupados e com razão. O Executivo errou em não informar as pessoas e continuará errando se não impedir o avanço de novos empreendimentos, se não partir para uma fiscalização mais efetiva, e se não buscar alternativas viáveis para minimizar os danos e recuperar parte do que foi perdido. Pelotas precisa apostar na educação ambiental!

(*) Ecólogo | dutradasilva@terra.com.br
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Publicação original de 2017

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