sábado, 25 de outubro de 2014

Dyonelio, escritor e amigo

Já comentei noutro momento escrevendo sobre o escritor pelotense Manoel Magalhães, um escritor entre nós , 
a respeito do desconhecimento da obra de Dyonelio Machado.
Considerado pela crítica  um escritor de suprema importância na literatura brasileira, tive o privilégio de conviver com ele enquanto eu era estudante de Física em Porto Alegre.
O escritor e médico morava num amplo apartamento na esquina da Siqueira Campos com a Borges de Medeiros.
Eu tinha ido inicialmente com um grupo de outros estudantes que tinham interesse por literatura.
Eles nunca mais voltaram enquanto eu, mais ou menos uma vez por semana, ia visitá-lo.
Às vezes me oferecia vinho do Porto e ficávamos conversando principalmente sobre Literatura mas Política também era um assunto muito explorado.
Militante do Partido Comunista estivera preso no Rio de Janeiro durante o Estado Novo na mesma época ( não me lembro se no mesmo presídio) em que Graciliano Ramos também esteve preso.
Relatava que tinha sido um período muito difícil mas, pelo menos, como se tornou prática durante a ditadura militar de 64 , não fora torturado.

Tinha uma biblioteca bem grande e sempre estava procurando um livro para discutir.
Entre eles Les Fleurs du Mal do qual gostava de recitar Une Charogne

Alors, ô ma beauté! dites à la vermine
Qui vous mangera de baisers,
Que j'ai gardé la forme et l'essence divine
De mes amours décomposés!

Nesta época eu já tinha comprado uma máquina fotográfica, minha primeira, uma máquina reflex, Lubitel, de fabricação russa.
Cheguei a conversar com Dyonelio a respeito de fotografá-lo mas a idéia não se concretizou.
Trocamos, também, algumas cartas que em algum momento ainda espero achar.
Numa ocasião o visitei em sua casa na praia do Imbé onde veraneava em companhia de sua mulher Adalgisa.
Depois, retornando para Pelotas, fomos perdendo o contato.

Aproveito para transcrever , a título de referência, o trecho final de O Louco do Catí um romance que decorre numa atmosfera que tem um clima cinematográfico.
Talvez por isto o romance foi objeto de um filme,  A Última Estrada da Praia, do diretor gaúcho Fabiano de Souza.

O Louco do Catí ( final)

As ruínas, sim! As ruínas do Catí !... Porque aqueles panos de paredes ( vejam todos! todos! venham ver!); aqueles cacos de paredes que mal se equilibram e em que ele nem quisera reparar, era o Catí! Dum Catí que ele deixara para ver, quando já não era mais do que escombros...
O homem-cachorro de ainda um instante quase não acreditava! Mas afugentara a assombração num relâmpago, para sempre ! ... Queria, dali donde estava, defronte do sol, queria -- era poder estender umas mãos vingativas de gigante, para sentir nos próprios dedos frisados de luz o esfarelar do pó do Catí, do Catí que se esboroava -- lentamente, através esses anos , numa serenidade melancólica de coisa morta, que apenas vive a vida ultrajada de espetro...
Mas sorria... Sorria, na antevisão até dum descanso, na estrada. Sorria diante daquela tarde de ouro, que dourava também a lâmina brilhante do arroio, crescido com as grandes chuvaradas da primavera. Nos olhos, nos lábios frouxos, nos dentes --- uma umidade ouro-pálida ficara lampejando, dourando o seu sorriso.


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Agora, é que se via quanto ainda era moço ...  

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