quarta-feira, 20 de abril de 2022

MARIA MARTINS - Ângela Becker

 

A brasileira Maria Martins tem uma história artística incrível. E uma extraordinária vida pessoal.                   

Está presente em grandes museus como o Museu da Filadélfia, MoMA em Nova York, no MALBA Argentina, na Bélgica e na França. Em São Paulo no MAC e Rio de Janeiro(MAM). No Palácio Itamaraty, em Brasília. Isto já é um baita cartão de apresentação! Conviveu com os grandes nomes da época, Breton, Max Ernst, Chagall, Picasso. Foi amiga de Brancusi. Com Mondrian dividiu uma exposição em NY. Extraordinário foi o caso que teve com Marcel Duchamp, por mais de uma década. As cartas que trocaram mostram a união caliente que ligava os dois e como respiravam juntos o amor pela Arte. Duchamp tem duas obras importantes que dialogam direta (e ocultamente) com a obra dela,impactado com a beleza e sensibilidade vibrante da artista. É preciso dizer que Duchamp foi o artista mais importante nascido no séc. XX. Foi quem mudou a arte do seu tempo. 

Nas últimas décadas de sua vida, trabalhou com o pensamento voltado à brasileira Maria Martins. Maria Martins foicasada com o diplomata brasileiro Carlos Martins que conheceu na França(1920) e este foi seu segundo casamento. Em função disso, morou em Paris, Bélgica, EUA e Japão, onde o marido foi embaixador. Carismática, erudita, poliglota, frequentava os artistas que estavam no topo dos movimentos. Como André Breton, autor do manifesto surrealista. Ela se alinhou desde logo ao surrealismo. Trabalha com escultura em madeira em Paris, mas muda a técnica para “cera perdida”, quando vai morar em NY. Esta técnica sobrepõe camadas sobre camadas de cera que será substituída por bronze no derretimento quando escorre para fora, se perdendo. Daí o nome. Esta técnica pede a “mão na massa”. É visceral, orgânica. Maria (preferia ser chamada pelo pelo primeiro nome) tem uma obra de sensibilidade e metamorfose tropical. 

O surrealismo lhe caia como uma luva. "Não esqueça que venho dos trópicos" é o nome de uma obra dela. Prezava os títulos, certamente influenciada por Duchamp (a quem mais influenciou do que foi influenciada). A Amazônia é o seu motivo básico. Faz uma exposição em NY com este título. Neste lugar-amazônia- tudo é úmido e em estado de transformação. A matéria é o magma que ainda não é. Tudo palpita de vida na sombra crepusculareterna da floresta e q ainda traz a memória do caos. 

A escultura de Maria é assim como a Amazônia. É o resultado do fluxo entre as formas vegetais, animais e humana. Não se sabe onde começa, nem onde termina. Algas, raízes, lama, formas sexuais, viscerais, corpóreas. Este clima é o próprio fazer de sua escultura. A vida está no sombrio, no crespo, no indomado. É arrebatador. Ela esculpe os mitos deste Brasil mágico e indomado e no mito fundador da Amazônia reza que todo o ano o rio deve fecundar a floresta. O rio sai do leito pela noite à procura da mulher mais bela entre as belas. Sai e desliza em meio à floresta enrosca-se em troncos, folhagens, raízes e segue "derrotando animais, enlouquecendo os pássaros" à procura da mais bela morena do crepúsculo da mata. Com a cópula anual, vivifica a floresta. 

Assim é a escultura de Maria Martins. Assim é a própria Maria Martins, esta artista que ressurge agora com força, a mesma força que arrebatou Duchamp já na maturidade e coberto de fama. Vai ficar para a próxima a descrição dos trabalhos que ele moldou no corpo mesmo de Maria e que está voyeuristicamente oculto/exposto numa sala do Museu de Arte da Filadélfia.

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