domingo, 28 de dezembro de 2014

Escrever, por Lilian Velleda Soares

Entre os escritores e escritoras que vivem em Pelotas, às vezes encontro Lilian Velleda Soares.
Considerando a desatenção existente com relação aos escritores locais, imagino que ainda pouco conhecida.
No entanto mostra-se uma escritora muito sensível e talentosa, apenas à espera dos leitores.
Transcrevo da autora uma crônica publicada na "Palavraría" sobre o ato de escrever, tema que tem em "Cartas a um Jovem Poeta" de Rilke uma importante referência.

P.R.Baptista
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Escrever

Diz-me por que escreves, pediu a minha querida Hilda Simões Lopes. 
Não hoje, nem agora. Mas quero partilhar o motivo. 
Um dia encontrei Ernesto Sabato. 
Ele cochichou no meu ouvido haver “provavelmente, duas atitudes básicas que dão origem aos dois tipos fundamentais de ficção: ou se escreve de brincadeira, para entretenimento próprio e dos leitores, para passar e fazer passar o tempo, para distrair ou procurar alguns momentos de evasão agradável; ou se escreve para investigar a condição humana, empresa que não serve de passatempo nem é uma brincadeira nem é agradável”. 
Eu li e reli, alternando dias e meses, esta passagem de O Escritor e Seus Fantasmas. 
E a pergunta feita se insinuou em mim entre um escrito e outro. 
Ela me pertubou por agulhar a necessidade de uma resposta – se eu escrevia para satisfazer minha vaidade, ou por necessidade. 
Eu fugi da resposta, descobrir-me incapaz de contar histórias desconcertava. 
Dor doida.  
Aos poucos descobri que a escrita provedora da vaidade não resiste ao tempo, não suporta a crítica, não enxerga seus limites. 
Narcísica, é incapaz de ver beleza e verdade na escrita alheia – sim, o narcisista desqualifica o que não é seu, por ser incapaz de compreender. 
Acalmei minhas dores ao perceber que sempre se rediz o já dito, cada escritor com uma resposta para  essa indagação. 
E que escrever é difícil, um auto-imolamento. 
Eu me imolo nas canetas e papéis que diante de mim vou amontoando, no pensamento que persigo durante o dia e enquanto durmo em sono profundo. 
Eu me rasgo nesse ato simples e rotineiro de dizer.  
Escrevo atrás de significado para a vida minha e de outros Eus, para repousar os ossos dos dias e entender a calmaria ou o furacão do infinito de dentro. 
Mergulho nessas letras todas, acolherando signos (resiste à tentação de amontoar palavras, adverte-me o escritor!).  
Eles falam de mim e do mundo, e então sinto uma coceira desde os pés até o olho, e vou me entregando endemoniada ao branco da página em branco diante dos olhos turvos pela urgência de dizer. 
O fato é que às vezes sei o início, geralmente sei o fim, busco um meio de caminho, uma ponte que reinstale a minha inteireza e me dê um pouco de paz pelo menos até o próximo rebento. Sim, são meus filhos os meus escritos, eles re-significam a vida. 
Talvez eu não deva, talvez não tenha nada a dizer ao Outro. 
Mas se eu disser apenas para mim (também outro um instante depois), está bom. Posso, pela escrita, me salvar.

Um comentário:

Manoel Magalhães disse...

Uma bela - e provocante - reflexão sobre o ato de escrever. Sim, minha cara, escrever é como atirar-se no vazio sem paraquedas e experimentar o gozo da loucura. Volte sempre.