terça-feira, 25 de janeiro de 2022

sexta-feira, 21 de janeiro de 2022

BOLSONARO IGNORA A MORTE DE ELZA SOARES

A QUESTÃO DO SANEAMENTO BÁSICO EM PELOTAS - Lúcio Almeida Hecktheur (*)

 


O novo Marco Legal do Saneamento Básico, sancionado em 15 de julho de 2020 através da Lei 14.026, estabelece o atendimento de 99% da população brasileira com água potável e 90% com tratamento e coleta de esgoto até o dia 31 de dezembro de 2033 (prazo de 13 anos, 5 meses e 17 dias). O Brasil, na data do sancionamento do Marco, tinha 35 milhões de pessoas sem acesso à água tratada e mais de 100 milhões sem coleta de esgoto.

Segundo dados da Confederação Nacional da Indústria, com a universalização dos serviços de água e esgoto, tem-se uma expectativa na redução dos custos anuais com saúde em até R$ 1,45 bilhão e, segundo a Organização Mundial da Saúde, para cada R$ 1,00 investido em saneamento, economiza-se R$ 4,00 na área da saúde.

Em Pelotas, segundo os últimos dados fornecidos pelo Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento, referentes ao ano de 2020, temos 99,99% da população atendida com água potável e 59,91% com redes de esgoto. Do volume total de esgoto coletado através das redes nada é tratado no município em função de que Pelotas não tem hoje nenhuma Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) em funcionamento, ou seja, as ETE do Porto e do Laranjal estão inativas a bastante tempo e a do Novo Mundo ainda em construção. Cabe aqui uma pergunta: Desde quando Pelotas, o quarto município mais populoso do Rio Grande do Sul e o septuagésimo nono do Brasil (de 5.570 municípios) não tem nenhuma ETE em funcionamento?

Os gráficos abaixo mostram as séries históricas do percentual de perda de água potável em sua distribuição e a extensão de redes de esgoto em Pelotas.

 



Como pode-se observar, a eficiência na distribuição de água potável em Pelotas é muito baixa chegando-se a ter mais de 60% de perdas em 2020. Com uma média anual de perdas de 47,26% podemos afirmar que quase metade da água tratada em Pelotas no período de 2001 a 2020 foi jogada fora.

No que se refere ao sistema de redes de esgoto, de 1996 a 2020 (25 anos) tivemos um acréscimo de 47,29% em sua extensão com uma taxa média anual de crescimento de apenas 1,63%. Considerando que Pelotas ainda tem 40,09% da sua população sem acesso ao serviço de esgoto, pode-se concluir que os investimentos nesta área ao longo dos anos são inexpressíveis.

O Poder Público Municipal de Pelotas começou a tentar melhorar as condições do saneamento básico na Gestão Bernardo/Fetter quando começaram as obras da ETE Laranjal e consequentes construções de redes coletoras; aprovou-se projeto e recursos para a construção da Estação de Tratamento de Água (ETA) São Gonçalo e ETE Novo Mundo. A Gestão Municipal 2009-2012 finalizou e vieram os governos de Eduardo Leite e Paula Mascarenhas o qual perdura até hoje. Neste período de aproximadamente 09 anos de Governo Tucano, o que foi feito de obras de saneamento? Não conseguiram finalizar nenhuma das obras ou projetos que herdaram mesmo declarando em suas campanhas eleitorais municipais que tinham o meio ambiente e saneamento básico como prioridades.

As consequências da inoperância governamental com o saneamento básico acarreta problemas graves. Hoje, passamos novamente a correr o risco do desabastecimento de água potável em função da seca que incide no nosso Estado e temos uma praia, a do Laranjal, com muitos pontos impróprios para banho.

Em junho de 2020, mais precisamente no dia 11, o abastecimento de água potável em Pelotas quase chegou ao colapso. Nesta data o nível da barragem Santa Bárbara chegou a ficar 4,40 m abaixo da sua cota zero. Essa grande estiagem (2019-2020) começou a afetar a cota da barragem em 21 de novembro de 2019 (cota -2 cm) indo até 11 de junho de 2020 (cota -4,40 m) perfazendo um total de 203 dias de estiagem. Nesse período, a cota da barragem Santa Bárbara teve uma taxa de variação negativa de 2,16 cm por dia. Na atual estiagem que já perdura 77 dias, a taxa de variação negativa da cota da barragem é de 1,51 cm por dia.

Os gráficos abaixo mostram o avanço da seca, refletido nas cotas do nível da Barragem Santa Bárbara, para o período de 2019-2020 e para o período atual.

 



No tocante a balneabilidade das nossas praias do Laranjal, de acordo com o Boletim de Balneabilidade da Temporada 2021-2022, divulgado em 24 de dezembro de 2021 pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam), dos 90 pontos monitorados, 06 apresentam condição imprópria. Destes 06 pontos impróprios em todo o Rio Grande do Sul, 03 deles encontram-se na praia do Laranjal. Confira em https://estado.rs.gov.br/relatorio-balneabilidade-divulga-pontos-proprios-para-banho-no-rs.

                Por fim fica o questionamento: saneamento básico é importante ou não? Se entendermos que é importante, por que a demora na conclusão de obras nesta área? Por que as obras da ETA São Gonçalo e ETE Novo Mundo se arrastam por tanto tempo?

(*)  Doutor em Energias Renováveis - UFRGS , Professor do IFSul, Campus Pelotas

sexta-feira, 14 de janeiro de 2022

quinta-feira, 13 de janeiro de 2022

TAILLEUR - Enio Andrade



 Acordei atrasada, justo no primeiro dia, hoje começo uma nova etapa

em minha vida. Fui transferida há pouco, foram cinco anos de exílio

voluntário no interior do estado. Não é que eu não gostasse da vida mais

tranquila e previsível, eu até gosto, questão de temperamento. Poder ser

quem você é, pelo menos para mim. Desfrutar de uma certa proximidade

entre as pessoas, poder vestir-se sem querer impressionar ninguém, o ponto

mais próximo da informalidade que é possível de ser atingido.

Minha semana foi só atribulação, fiquei perdida entre a mudança e a

transferência de tudo o que eu estava fazendo ao meu substituto. O único

dia que sobrou foi o sábado. Decidi passar a tarde no shopping procurando

alguma coisa que eu pudesse vestir nos primeiros dias. Meu guarda roupas

estava entre roupas de festa, descobri cedo que teria poucas oportunidades

de usá-las, e roupas do dia a dia, minha Mãe as chamava “uniformes”,

essas com as quais a gente se acostuma.

Todo o meu esforço transformou-se em uma única roupa. Podia não

parecer, mas aquele tailleur sintetizava tudo o que eu precisava, pelo menos

era o que eu estava pensando, transmitia toda uma formalidade e era

discreto. Ainda mais naquela cor, se alguém não quer ser notado o cinza é a

cor perfeita.

Mesmo tendo acordado cerca de uma hora antes estava atrasada,

perdi um tempo precioso alisando meu cabelo, às vezes ele se revolta. Ah

que saudade, mas o que é isso, mal saí de lá e já quero voltar. Tentei pensar

que é pra frente que se anda, essas coisas de autossugestão que a gente usa

pra se convencer de que o pior pode ser bom pra gente.


O táxi me deixou aos pés da escadaria que conduzia ao foro. A

subida foi penosa, a falta de costume com aquele salto alto começava a

apresentar a sua conta. O caminho até o elevador foi de sofrimento e

estupefação, o prédio novo do foro não ficava devendo nada a nenhum

palácio. Em todos esses anos confesso que vim pouco a capital.

Cheguei ao elevador exausta, o sapato me matando, já nem

conseguia raciocinar direito. Mal entrei e me deparei com o lugar destinado

a ascensorista vazio. Aquele banquinho minúsculo nunca me pareceu tão

confortável, nem pestanejei, sentei logo e uma sensação de alívio me

envolveu. Nem pude aproveitar muito, logo apareceu um gaiato que sem

sequer me dirigir um olhar falou como um mandatário:

Oitavo !!

Que coincidência pensei, o mesmo andar, apertei o botão sem

pestanejar, afinal de contas também estava indo para lá e não custava nada.

Não pude deixar de notar que o homem estava vestido com esmero. Em

seguida entrou outro homem com o mesmo padrão e cumprimentou o outro

com um sorriso entre dentes e simplesmente falou:

Oitavo !!

A capacidade do elevador era para cerca de doze pessoas, foram entrando e

repetindo:

Oitavo !!

O que me surpreendeu não foi a forma breve em que se deu a

lotação, mas, a maneira como as pessoas se dirigiam a mim. Depois da

primeira vez em que apertei o botão do oitavo andar não achei que fosse

necessário repetir o gesto. No entanto, todos que entraram no elevador se

dirigiram a mim sem ao menos se dignarem a me lançarem um olhar. Que

gente mal educada pensei, alguns até demonstravam certa contrariedade ao

acharem que eu não apertara o botão. Ficaram cochichando entre si,

provavelmente reclamando da minha morosidade.

Mal chegamos ao nosso destino, assim que a porta abriu, e as pessoas

se evadiram em um tropel. Deu até medo de tentar sair e ser atropelada. Ao

passar pela porta da sala de audiências pude notar que metade daquelas

pessoas estava sentada ali, provavelmente esperando a sua vez de

testemunhar. Entrei por uma porta lateral e após me identificar para o

secretário de audiências me dirigi ao meu lugar. Assim que sentei na

cadeira dei um bom dia a todos e declarei aberta a audiência. Precisei

repetir a minha fala pois notei que todas aquelas pessoas estavam atônitas

me olhando. Não pude deixar de pensar que graças àquele tailleur pude

perceber que a minha vida de Juíza naquela cidade não seria nada fácil.


ENIO ANDRADE é um consistente escritor pelotense 
se destacando como romancista que surge no cenário literário.
Recentemente lançou o romance "Dandara e a Princesa" a respeito do qual já comentamos em  A METADE SUL .
Acesse o link para ler 

quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

EM DISCUSSÃO A IMPLANTAÇÃO DE AEROGERADORES NA LAGUNA DOS PATOS - Lucio de Almeida Hecktheuer (*)

 


O governo do Estado, por meio da Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema) abriu ontem a consulta pública para o futuro edital de concessão de uso de áreas da Lagoa dos Patos.

O objetivo seria implantar aerogeradores de energia elétrica (parque eólico)

Em tese a proposta permitiria oferecer soluções de médio e longo prazo para a geração de energia renovável e limpa.

Cabe salientar que a proposta, neste momento, é apenas especulativa dependendo para sua implementação de superar várias etapas que atentem não só para aspectos que possam ser de interesse imediatamente economicos mas, de forma muito importante, para as implicações ambientais.

O futuro da implantação de novos parques eólicos no Rio Grande do Sul

 A energia eólica no Brasil vem crescendo nos últimos anos e hoje já abastece milhões de residências. Em solo brasileiro temos mais de 520 parques eólicos totalizando 17,131 GW de potência instalada que produziu 57.051 GWh de energia elétrica no ano de 2020, energia essa equivalente a 9,18 % de toda energia elétrica gerada em 2020 segundo dados fornecidos pelo Balanço Energético Nacional de 2021. Atualmente 80% dos parques eólicos estão na região nordeste, sendo o Rio Grande do Norte e a Bahia os maiores Estados produtores. Desse total de parques eólicos brasileiros, apenas quatro deles são offshore (parques eólicos com as suas turbinas eólicas instaladas dentro dágua). São eles (offshore) o de Caucaia, o de Asa Branca, o de Jangada (Força Eólica do Brasil) e o de Camocim (Camocim Eireli). O maior deles é o Jangada, tanto em potência quanto em quantidade de turbinas. Os demais parques eólicos são onshore (turbinas eólicas instaladas em terra).


Dentre os principais parques eólicos no Brasil temos o Parque Eólico Giribatu localizado em Santa Vitória do Palmar (RS) com uma potência instalada de 258 MW; o Complexo Eólico do Alto do Sertão I localizado em Caetité, Guanambi e Igaporã (BA) com capacidade instalada de 293,6 MW e o de Osório (RS) com capacidade instalada de 300 MW.

Nesse contexto de geração de energia elétrica o Estado do Rio Grande do Sul, através da sua Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente (SEMA) está abrindo audiência pública para futuro processo de licitação de concessão da Laguna dos Patos para fins de geração de energia elétrica através de parques eólicos offshore. A SEME espera que, em fevereiro próximo, o processo licitatório já esteja ocorrendo.

Quanto a esse processo de concessão, cabe alguns questionamentos:

a)      Qual o potencial eólico da Laguna dos Patos?

Segundo o Atlas Eólico do Rio Grande do Sul, editado em 2014, o potencial eólico da Laguna dos Patos, com uma área de 9.427 km2, é de 24,5 GW. Para a elaboração do Atlas foram realizadas medições de ventos em 70 localidades do Estado com um período médio de medição de 2 anos mas nenhuma torre de medição foi instalada offshore na Laguna dos Patos o que adia a instalação de parques eólicos nesta laguna por 3 anos devido a exigências da ANEEL de medição de vento no local de instalação dos parques.


b)     Onde existem redes de transmissão próximas da Laguna dos Patos para futuras conexões dos Parques eólicos a serem instalados?



               A maior partes das redes de transmissão existentes perto da Laguna dos Patos estão localizadas no lado oeste. Essas redes poderão ser utilizadas para a conexão dos parques no sistema nacional de energia elétrica.

c)      Quais os impactos ambientais que poderão advir com a implantação de parques eólicos na Laguna e como podemos mitigá-los. O principal impacto é uma possível mortandade de pássaros mas esse fato deve ser melhor estudado e pesquisado a fim de quantifica-lo com maior acuracidade.

d)     Parques eólicos offshore têm suas instalações e manutenção necessitando mais cuidados e gastos que os onshore.

e)     Quais os custos de manutenção, operação e conexão na rede dos parques eólicos offshore? Com certeza são maiores que nos onshore.

f)       Quais as fontes de financiamento e condições serão oferecidas para a implantação desses parques eólicos pela iniciativa privada ?

g)      Por que parque eólicos offshore na Laguna dos Patos? Porque o bem do Estado a ser concedido é a Laguna e não as terras que a margeiam. Daí a concessão para a implantação das turbinas em água.

h)     Quais os benefícios da implantação de parques eólicos na Laguna? Incrementar atividades econômicas nas proximidades da Laguna. Hoje, nessa região, quase não existe atividade econômica. Além disso, o Estado contará com um acréscimo de geração de energia elétrica proveniente de uma fonte limpa que é a eólica, diversificando assim a matriz energética.

i)      Quais as vantagens de parques eólicos offshore em relação aos instalados em terra (onshore) ? Os parques offshore possibilitam, com um mesmo equipamento, gerar até 30% mais energia elétrica que os instalados em terra em função da não incidência de obstáculos e regime de ventos em alto mar. Normalmente esses parques offshore são instalados em oceanos distantes das margens.

j)      Quais as desvantagens de parques eólicos offshore em relação aos instalados em terra (onshore) ? Os custos de instalação, conexão a redes de energia, operação e manutenção mais elevados.

 Com base nos questionamentos abordadas, cabe agora esperar o processo de licitações e verificar se haverá empresas interessadas em investirem em parques eólicos offshore na Laguna dos Patos. A intenção do Estado em propiciar a concessão da Laguna dos Patos é boa, mas, com a falta de dados de ventos hoje existente e empreendedores sem condições de realizarem estudos de viabilidade econômica realista fica a pergunta: será que despertará interesse de algum empreendedor para essa atividade?

(*) Doutor em Energias Renováveis - UFRGS , Professor do IFSul, Campus Pelotas