em minha vida. Fui transferida há pouco, foram cinco anos de exílio
voluntário no interior do estado. Não é que eu não gostasse da vida mais
tranquila e previsível, eu até gosto, questão de temperamento. Poder ser
quem você é, pelo menos para mim. Desfrutar de uma certa proximidade
entre as pessoas, poder vestir-se sem querer impressionar ninguém, o ponto
mais próximo da informalidade que é possível de ser atingido.
Minha semana foi só atribulação, fiquei perdida entre a mudança e a
transferência de tudo o que eu estava fazendo ao meu substituto. O único
dia que sobrou foi o sábado. Decidi passar a tarde no shopping procurando
alguma coisa que eu pudesse vestir nos primeiros dias. Meu guarda roupas
estava entre roupas de festa, descobri cedo que teria poucas oportunidades
de usá-las, e roupas do dia a dia, minha Mãe as chamava “uniformes”,
essas com as quais a gente se acostuma.
Todo o meu esforço transformou-se em uma única roupa. Podia não
parecer, mas aquele tailleur sintetizava tudo o que eu precisava, pelo menos
era o que eu estava pensando, transmitia toda uma formalidade e era
discreto. Ainda mais naquela cor, se alguém não quer ser notado o cinza é a
cor perfeita.
Mesmo tendo acordado cerca de uma hora antes estava atrasada,
perdi um tempo precioso alisando meu cabelo, às vezes ele se revolta. Ah
que saudade, mas o que é isso, mal saí de lá e já quero voltar. Tentei pensar
que é pra frente que se anda, essas coisas de autossugestão que a gente usa
pra se convencer de que o pior pode ser bom pra gente.
O táxi me deixou aos pés da escadaria que conduzia ao foro. A
subida foi penosa, a falta de costume com aquele salto alto começava a
apresentar a sua conta. O caminho até o elevador foi de sofrimento e
estupefação, o prédio novo do foro não ficava devendo nada a nenhum
palácio. Em todos esses anos confesso que vim pouco a capital.
Cheguei ao elevador exausta, o sapato me matando, já nem
conseguia raciocinar direito. Mal entrei e me deparei com o lugar destinado
a ascensorista vazio. Aquele banquinho minúsculo nunca me pareceu tão
confortável, nem pestanejei, sentei logo e uma sensação de alívio me
envolveu. Nem pude aproveitar muito, logo apareceu um gaiato que sem
sequer me dirigir um olhar falou como um mandatário:
Oitavo !!
Que coincidência pensei, o mesmo andar, apertei o botão sem
pestanejar, afinal de contas também estava indo para lá e não custava nada.
Não pude deixar de notar que o homem estava vestido com esmero. Em
seguida entrou outro homem com o mesmo padrão e cumprimentou o outro
com um sorriso entre dentes e simplesmente falou:
Oitavo !!
A capacidade do elevador era para cerca de doze pessoas, foram entrando e
repetindo:
Oitavo !!
O que me surpreendeu não foi a forma breve em que se deu a
lotação, mas, a maneira como as pessoas se dirigiam a mim. Depois da
primeira vez em que apertei o botão do oitavo andar não achei que fosse
necessário repetir o gesto. No entanto, todos que entraram no elevador se
dirigiram a mim sem ao menos se dignarem a me lançarem um olhar. Que
gente mal educada pensei, alguns até demonstravam certa contrariedade ao
acharem que eu não apertara o botão. Ficaram cochichando entre si,
provavelmente reclamando da minha morosidade.
Mal chegamos ao nosso destino, assim que a porta abriu, e as pessoas
se evadiram em um tropel. Deu até medo de tentar sair e ser atropelada. Ao
passar pela porta da sala de audiências pude notar que metade daquelas
pessoas estava sentada ali, provavelmente esperando a sua vez de
testemunhar. Entrei por uma porta lateral e após me identificar para o
secretário de audiências me dirigi ao meu lugar. Assim que sentei na
cadeira dei um bom dia a todos e declarei aberta a audiência. Precisei
repetir a minha fala pois notei que todas aquelas pessoas estavam atônitas
me olhando. Não pude deixar de pensar que graças àquele tailleur pude
perceber que a minha vida de Juíza naquela cidade não seria nada fácil.
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