terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Gente em Fuga


Nei Alberto Pies

"Se por acaso fujo, não é por falta de luta. Qualquer abandono exige coragem. Qualquer fuga tira um pedaço de nós que não volta. É preciso força até para desistir". (Verônica H.)

            O preconceito e discriminação para com pessoas que fogem são descabidos e injustificáveis! Sempre pensei que fuga é uma atitude que podemos (e devemos) esperar quando tratamos de seres humanos em condição de sofrimento, injustiça, fome e desumanização; sem culpa por isso.
Fugir é o destino comum dos seres humanos quando as condições de vida e dignidade atentam contra a própria existência.
Aliás, o que mais temos é gente que foge da violência, da opressão, do descaso, do abandono, do desamor, das diferentes prisões. 
Fico imaginando se a fuga não é condição substantiva para preservarmos nossa condição de humanidade. 
As diferentes prisões não fazem bem a ninguém.
As casas prisionais deste país são um verdadeiro depósito de humanos e a sociedade brasileira parece não se importar com esta situação desumana. 
Presos tem responsabilidade por seus crimes, mas não são responsáveis pelos crimes que o Estado e a sociedade cometem com eles.
Como sempre, preferimos não abordar as raízes dos problemas, preferindo soluções de "simplificação". 
É sempre mais fácil "culpabilizar as vítimas", ao invés de perguntar as razões pelo sofrimento em que os outros estão passando. 
Ao invés de cobrarmos que o Estado ofereça condições de vida, moradia e ressocialização, preferimos condenar aqueles que, através da fuga, exercem seus direitos sobreviventes. 
Ao invés de cobrar medidas que dificultem as fugas e mantenham maior vigilância sobre as ações dos presos, preferimos elegê-los como nossos mais nobres algozes.
A pobreza de nossos pensamentos faz com que esqueçamos que eles (os presos), como nós, fazemos parte de uma sociedade violenta, autoritária, injusta, corrupta e perversa. Preferimos nos apartar, intitulando-nos "pessoas de bem", como se a maldade fosse uma propriedade dos maus, logo, dos presos e "marginais", como assim os chamamos. 
Esta ingênua ignorância nos leva, sem querer, à mesma condição de vítimas dos próprios pensamentos e incompreensões. 
 Vítimas do mundo e submundo do roubo, da ganância, do poder e do medo que permitimos reinem em todas as nossas prisões. 
Vítimas dos próprios presos que condenamos.
É necessário perguntar pelos ideais de ser humano, mundo e humanidade que concebemos e defendemos. 
Pelos investimentos e oportunidades que estamos dispostos a construir para todos que nascem e tem o direito de buscar as condições para viver sua humanidade na plenitude. Todos precisam de oportunidades para se humanizar porque o castigo sem sentido só alimenta a revolta e a própria desumanização.
O maior desafio e trabalho que podemos empenhar pelo mundo é a humanização, nossa e dos outros. É preciso lutar por condições que não exijam de ninguém a fuga como a única possibilidade de não sucumbir à própria humanidade. 
A liberdade deve ser o maior horizonte!
É um trabalho corajoso, necessário e permanente.

Nei Alberto Pies, professor e ativista de direitos humanos.
    

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