terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

A marcha pelo impeachment: entre a fórmula mágica e a preguiça

Foto: Reuters
Matheus Pichonelli

Antes de ir às ruas, seria producente, inclusive recomendável, analisar o próprio revide e notar que a crítica aos detratores igualmente se aplica aos salvadores. No limite, vale questionar o que queremos de fato – expor nossas antipatias ou encampar as reformas necessárias? Mais que isso: o que dizem os nossos representantes direitos, do vereador ao senador, passando pelo nosso prefeito, a respeito dessas reformas? E a liderança do nosso partido favorito? Quais os projetos eles apresentaram na última legislatura? Quais as suas proposta para dirimir o fosso entre ricos e pobres ainda assustadoramente largo no país? Quem bancou as suas campanhas? O que eles defendem em plenário? Como sensibilizá-los? Com cartazes erguidos em dias de folga? Com mensagens à caixa de e-mail? Com pedidos de audiência com a sociedade civil organizada da qual somos convidados a fazer parte?


Perdi as contas, nas últimas semanas, de quantos suspiros deixei escapar ao abrir a caixa de e-mail, os grupos de WhatsApp e as timelines do Twitter ou do Facebook. Reconheço estes suspiros: são a canalização dos mesmos cansaços, preguiças e desgostos de quando recebo correntes com fórmulas mágicas para problemas complexos. Contra estupradores, tome castração química. Contra a criminalidade, pena de morte. Contra a gravidez precoce, o fim do baile funk. Contra a corrupção, o impeachment, palavra da moda em dias recentes.
De uns meses pra cá, todos parecem preocupados, não sem certa razão, com o estado das coisas. Todos parecem dispostos a mudar o mundo. E todos parecem ter as soluções definitivas e infalíveis na ponta da língua. Nesses momentos, os riscos de se debater a revolução com quem até ontem não media palavras para dizer que não gosta, não se interessa, não tolera o noticiário político é assistir, num camarote literal (às vezes regado a espumante e corte nobre), a um festival de bobagens que na melhor das hipóteses se encerram na urgência de outras demandas (o desfecho da novela, por exemplo) e, na pior, ao velho preconceito de classes.
O tema, oficialmente, é a inabilidade, a imprudência e a inoperância do governo (federal, pois neste mundo paralelo o poder é absoluto e a federação, um corpo estranho), mas as cotoveladas e espetadas no olho são direcionadas aos beneficiários das esmolas, aos sobreviventes de currais eleitorais, às cabra cegas de tapa-olhos afirmativos. Entre discussões calorosas sobre a preguiça e petulância dos empregados, entre a defesa da meritocracia (não vale citar o emprego nem o lobby por filhos e conjugues em nossas bolhas privativas, nem sempre privadas), são colocados em pauta os desmandos da República para demonstrar, nas entrelinhas ou não, o desprezo contra os alvos de sempre. É difícil sair de uma conversa do gênero sem se chamuscar em algum “nada contra, mas…” E dá-lhe odes ao separatismo paulista, ao incômodo com as ondas migratórias em direção às nossas riquezas ou à vontade de se mudar para países menos generosos com a nossa gentalha.

SEGUE >>>

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