domingo, 11 de agosto de 2019
QUEM TEM MEDO DE BOLSONARO? - Ricardo Almeida
Jair Messias Bolsonaro é um homem sincero, pois expõe as suas grosserias e defende abertamente a entrega do país para os EUA. Hoje, passadas as eleições, qualquer pessoa em sã consciência sabe que o “mito” construiu a sua carreira política em torno de declarações absurdas contra os direitos humanos e em favor da ditadura militar. Essas pessoas assistiram o ex-deputado rasgar a Constituição, defender a tortura, discriminar as mulheres, os artistas, as comunidades quilombolas, os descendentes dos povos africanos e a comunidade LGBTI.
Durante as eleições de 2018, o candidato também praticou diversos crimes civis e eleitorais ao abusar do poder econômico, como foi o caso das doações ilegais de empresas, a disseminação de calúnias e de informações falsas sobre os seus adversários e as ameaças de morte às forças de esquerda.
Agora, mesmo na presidência da República, Bolsonaro não parou de soltar os seus demônios, seja quando ironiza a morte de 57 presidiários no Pará, ataca o presidente da OAB e a memória do seu pai, desaparecido durante o regime militar, ou quando nega o assassinato do cacique Emyra Wajãpi, morto por garimpeiros no Amapá. O “mito” também não vê nada de errado em empregar parentes, indicar o filho para a embaixada do Brasil nos EUA, em “dar carona” num helicóptero da FAB para os seus amigos, no fato de que o seu parceiro Fabrício Queiroz ter movimentações financeiras incompatíveis com o salário de motorista e em reduzir os investimentos na região nordeste por discordar da política de alguns governadores que foram eleitos democraticamente.
Como se estivesse cumprindo uma ordem superior ou como um robô programado, Bolsonaro sempre quer transparecer a imagem de um “machão” com a intenção de provocar medo nas pessoas. Por trás dessa performance está a inteligência de Steve Bannon e dos seus mentores no estrangeiro, que costumam ampliar e espalhar as suas ameaças pelas redes sociais, pois o “ex-capitão” não consegue sequer encarar os seus críticos e/ou adversários políticos. Foi assim, ao fugir dos debates eleitorais e também, agora, quando se vê obrigado a enfrentar uma pergunta mais dura dos jornalistas.
Há quem diga que se trata de um problema psíquico. Também dizem que isso faz parte da cultura de uma parcela do povo brasileiro, de uma forma de ver o mundo, e ainda existe quem não tenha dúvidas de que tudo não passa de uma ideologia de viés nazista. São pontos de vistas diferentes (psicanalítico, cultural, ideológico e político) que contém um elevado grau de veracidade. Uma visão dialética e holística do fenômeno não trataria essas questões de forma excludente.
Hannah Arendt, por exemplo, no livro Eichmann em Jerusalém, afirma que o burocrata não percebe o que faz em função da sua incapacidade de pensar do ponto de vista de outra pessoa. Segundo Arendt, na falta dessa capacidade cognitiva, Eichmann “cometeu (crimes) em circunstâncias que tornaram quase impossível para ele saber ou sentir que estava errado”. Por outro lado, R. D. Laing, no livro Laços, com uma consciência prática e sensível, amplia essa reflexão ao dizer que “algo de errado deve haver com ele, pois é certo que assim não agiria se algo de errado não houvesse. […] Ele não se apercebe de que há com ele algo de errado porque uma das coisas que nele andam erradas é não se aperceber de que há com ele algo de errado”.
No entanto, partindo do princípio de que ninguém nasce odiando outra pessoa, e que, para odiar, as pessoas precisam aprender a odiar, a educação do jovem Bolsonaro e de uma parte da população brasileira foi baseada no ódio, no desprezo e na violência. Se não fosse assim, eles não aprovariam os crimes cometidos durante o regime militar, como é o caso de Bolsonaro e de Mourão, em relação aos ditadores e ao coronel Brilhante Ustra. Também não banalizariam o assassinato de ativistas ambientais, o genocídio da população negra e/ou indígena, o feminicídio, a proliferação de agrotóxicos nos alimentos que consumimos etc.
Por isso, Bolsonaro e seus aliados devem ser julgados pelos crimes cometidos e pelas políticas implementadas, e não apenas como indivíduos incapazes de raciocinar. Caso contrário, a entrega da previdência pública para os banqueiros nacionais e internacionais, assim como a venda da Amazônia e de terras para os estrangeiros, entre outras atrocidades poderão ser tratadas apenas como se fizessem parte de um jogo de videogame, em que temos diversas vidas para desperdiçar.
Também é fundamental considerar que Bolsonaro era o único candidato antissistema, e que ele acabou se tornando o preferido dos donos do capital apenas para evitar uma nova vitória do PT nas eleições de 2018. Portanto, ao personalizar as análises políticas, muitas pessoas acabam ignorando que os verdadeiros estrategistas queriam, na verdade, acabar com os direitos dos trabalhadores brasileiros, realizar uma reforma tributária favorável ao grande capital e tomar conta do Pré-Sal e de outras das nossas riquezas. Ou seja, para eles não importava tanto quem seria o novo presidente do Brazil.
Mas, como a história não anda em linha reta, aos poucos, apesar do esvaziamento e da dispersão das organizações de base, à medida que as pautas negativas foram se concretizando, uma parte da população – antes silenciosa – começou a se indignar com as consequências dessas políticas nas suas vidas e nas vidas dos seus filhos, netos e amigos. Até os pequenos monstros acabaram sumindo das ruas… O MBL, por exemplo, e outros oportunistas já estão pulando do barco com a clara intenção de se salvar politicamente e também de preservar a agenda neoliberal. E o “mito”, ao se sentir encurralado, como qualquer animal selvagem, ameaça com mais crueldades, com o propósito de agitar aquela parcela da população que ainda sonha em alimentar os seus bichinhos de estimação.
Se Bolsonaro gosta de bater continência para a bandeira norte-americana e diz que nós precisamos receber uma educação rígida e hierárquica como a dele, é porque ele foi treinado para ser um serviçal e acredita que vai conseguir impor novamente pela força as vontades de um império em declínio. Creio que o “mito” está muito enganado, pois eles não combinaram com os russos e nem com os chineses, e muito menos com as novas gerações nascidas na era da democracia, da informação e do conhecimento.
É preciso considerar que Bolsonaro já conseguiu realizar boa parte do seu sonho, que era o de constar nos livros de história do Brasil e da desumanidade. Portanto, se as forças democráticas e populares compreenderem essa nova realidade internacional e como se dão as relações econômicas, políticas e culturais num mundo globalizado, o golpe poderá fracassar e o “mito” será descartado, assim como já ocorreu com outros tantos políticos.
Há uma grande possibilidade de, após a aprovação do desmonte da previdência pública e da reforma tributária, os verdadeiros golpistas abandonarem o “mito”, seus filhos e alguns dos seus principais aliados. Como sempre acontece, a sociedade conservadora brasileira também poderá continuar afirmando que o “mito” foi muito útil para o Brasil, que o “ex-capitão” não foi descartado pelo exército brasileiro e até que brilhou na “carreira” política, como se fosse uma profissão.
Por isso mesmo, o desafio da militância de esquerda é desconstruir esse e outros mitos ideológicos, de vieses religiosos e nacionalistas, e substituí-los por uma consciência histórica, prática e sensível. O historiador Eric Hobsbawn, por exemplo, afirmou que, se ele fosse um jovem latino-americano, poderia ser tentado a investigar o impacto do seu continente sobre o resto do mundo (…) desde 1492, passando pela contribuição material a tantos países, como metais preciosos, alimentos e remédios, até o efeito da América Latina sobre a cultura moderna e a compreensão do mundo, influenciando intelectuais, como Montaigne, Humboldt e Darwin.
Seguindo essa lógica global e sistêmica, quem quer mudar a cultura política do povo brasileiro não deveria depositar toda a responsabilidade em Bolsonaro, pois isso acaba fortalecendo ainda mais os poderes do “mito”, ao invés de questionar o sistema de exploração que está em curso. Quem tem medo de Bolsonaro e o responsabiliza como único culpado por toda essa desgraça que recai sobre o povo brasileiro, precisa ler ou reler as lições de As veias abertas da América Latina, de Eduardo Galeano, e do didático História sincera da República, de Leôncio Basbaum, pois nunca é tarde para cair na real.
Como as lutas e as experiências ensinam mais do que os livros, os discursos e as postagens nas redes sociais, as pessoas e as organizações precisam mobilizar e defender a verdade. Lembrem-se de que, mais dias, menos dias, as fraudes eleitorais de Moro e Dalagnoll, reveladas pelo The Intercept Brasil, serão comprovadas e que, em nome da justiça, da soberania nacional, da democracia e dos direitos do povo brasileiro, defender a anulação das eleições de 2018 e de todas as decisões de Temer e de Bolsonaro representará sempre um ato de dignidade e de ousadia.
Ricardo Almeida - Consultor em Gestão Projetos TIC
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