SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - "Há aqueles que supervalorizam o patrimônio cultural." Assim a presidente do Iphan, Larissa Peixoto, respondeu na semana passada a um pedido de reunião enviado a ela no final de janeiro pelo Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural para debater uma série de pontos que, para eles, apontam desmonte e perseguição dentro do órgão.
O conselho é a instância máxima do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e regula a proteção do acervo cultural do país. O colegiado debate e dá o voto final para o encaminhamento e aprovação de tombamentos e registros de bens imateriais.
No pedido de reunião, 12 dos conselheiros listam ações recentes do órgão que, nas palavras deles, comprometem a preservação do patrimônio, tais como a diminuição do orçamento do Iphan a partir de 2019, a não realização do processo seletivo do mestrado em patrimônio, a possível venda do Palácio Gustavo Capanema, no Rio de Janeiro, e também a retirada do apoio do órgão a peças e objetos de religiões afro-brasileiras agora sob guarda do Museu da República.
Na resposta, Peixoto diz que os pontos levantados pelos conselheiros são "desmedidos e desrespeitosos" e beiram a suposição de crime por parte da diretoria do órgão. Afirma ainda que as palavras deles foram duras e desrespeitam a dignidade de servidores do órgão.
Ela e os cinco diretores que assinam a carta pedem que os conselheiros se retratem e não respondem ao pedido de agendamento de uma data para a reunião.
"Há aqueles que supervalorizam o patrimônio cultural com meritórios estudos arrojados, todavia menosprezam a gerência na criação de protocolos eficientes para a consecução do fim tão almejado, qual seja, a preservação que todos coadunam", escreve.
O conselho enviou ainda uma tréplica em que afirma ter havido "um mal-entendido" e que lamenta "que uma atitude de respeito à missão do instituto seja considerada desrespeitosa".
Parte dos servidores do Iphan se manifestou com solidariedade ao requerimento dos conselheiros. Eles consideram "urgente e indispensável que os dirigentes do Iphan aprofundem o diálogo, a consulta e a observação dos ritos previstos na instância do conselho", como escrevem numa carta.
Ainda em apoio ao grupo consultivo, a carta diz que "a voz dos servidores do Iphan não pode ser invocada em contextos alheios aos dos debates e deliberações dessas esferas", em resposta ao trecho em que a direção afirma que o requerimento da reunião feria também a dignidade dos servidores.
Após a publicação desta reportagem, o Iphan enviou uma nota afirmando que a carta de Peixoto "destaca, de forma clara, a importância e necessidade de se valorizar o patrimônio ao mesmo tempo que os ritos administrativos necessários à sua preservação, seja por meio de tombamentos, registros, entre outros".
"Vale ressaltar que promover a eficácia administrativa é uma forma assertiva de assegurar a valorização e proteção do nosso patrimônio", diz o órgão.
O Iphan ressalta ainda que, nos últimos seis meses de 2021, avaliou 96 pedidos de tombamento contra somente oito durante todo o ano de 2018. Em relação à revalidação de registros de bens, apenas em 2021 foram nove revalidações contra apenas uma ao longo dos últimos 20 anos.
A troca de farpas acontece em meio a uma crise generaliza do Iphan, um alvo constante de críticas do governo de Jair Bolsonaro desde o começo de sua gestão.
Depois da paralisação do conselho consultivo por quase dois anos e da troca de funcionários do alto escalão, a instituição agora vê o reflexo disso numa série de medidas que podem tornar a principal entidade de preservação do patrimônio cultural do país num órgão-fantoche dos bolsonaristas.
Segundo especialistas que trabalham com patrimônio, esse é um desmantelamento inédito, que não se viu nem em períodos autoritários no Brasil.
provação expressa de licenciamento ambiental, distribuição de cargos-chave para aliados do governo, diminuição do orçamento, paralisação do mestrado e recentes anulações de tombamentos são algumas das situações que vêm abalando o instituto.
Fonte: Folha de São Paulo
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