“Os únicos derrotados são os que deixam de lutar”.
José Pepe Mujica
Durante este período de crise econômica, moral e política que estamos atravessando no Brasil e no mundo é comum a gente analisar e interpretar o “discurso” que está sendo dito e publicado pelos jornais e também pelos parentes, amigos e amigas. Confesso que somente o da Rede Globo – pelo seu alcance territorial – está me tirando do sério. O meu desafio tem sido o de encarar essa adversidade com paciência, por mais confusa e dura que ela seja, pois entendo que existem vários elementos de análise e que nenhum deles pode ser considerado como definitivo. Também entendo que esse processo e as adversidades que estamos vivendo ensinam mais do que os velhos discursos eloquentes que estávamos acostumados a ouvir. O que vai sair daí? Nem Deus sabe.
Por maiores que tenham sido os nossos acertos, os nossos erros estão nos ensinando muito mais. Apesar disso, algumas pessoas seguem adotando explicações baseadas apenas no direito, na psicanálise e na psicologia, e querem nos enquadrar nas “normas jurídicas” e nas “doenças mentais”. Outras ainda adotam aquele viés economicista e, junto com os grandes meios de comunicação, fazem suas previsões catastróficas e bombásticas. Mas também existem aquelas idealistas que querem que o mundo pare, e não fazem nada para colaborar na busca de uma saída digna e coletiva. O problema delas, em sua imensa maioria, é que muitas preferem prever o futuro para depois morrer com a razão. Nenhuma delas reconhece a velha luta de classes e algumas, mesmo críticas do sistema, preferem acompanha-la à distância, na teoria e não na vida real.
São poucas as pessoas que adotam uma visão prática-humana-histórica e sensível da realidade. Talvez seja porque para adquirir uma compreensão sensível da nossa história e dos interesses que estão em jogo, seria necessário se valer de questões complexas, culturais, objetivas e subjetivas… E isso, além de paciência, exigiria muitas reflexões individuais e coletivas. Seria necessário responder algumas questões, como: quais foram as circunstâncias, os fenômenos e as “políticas” que nos trouxeram a viver até este momento atual? O que as pessoas que hoje criticam pensavam e debatiam até cinco anos atrás? O que essas pessoas fizeram até aqui para mudar as “coisas” e essas circunstâncias que elas tanto criticam? Qual é o canal de televisão e/ou emissora de rádio que essas pessoas costumam se informar? Entendo que somente ao refletir sobre estas questões será possível diferenciar uma opinião idealista de outra realista e comprometida com as mudanças. O resto é ficar discutindo sobre a razão, pela razão.
A razão não é tudo, já disse alguém. Mas além dela existem os simbolismos e as espiritualidades que se confrontam com o pensamento maniqueísta e preconceituoso dos colonizadores europeus, disse outra pessoa. Isso pode e deve ser utilizado como arma poderosa, capazes de enfrentar e desconstruir as narrativas idealistas e excludentes, disse uma terceira. Somente se essas reflexões forem consideradas parciais e as nossas decisões forem tomadas de forma coletiva, com serenidade, sabedoria e determinação, diremos nós.
Por quê? Porque ao debater sobre essas questões coletivamente não existirão mais surpresas se identificarmos as contradições entre a prática e o discurso, ao diferenciarmos as pessoas que se sentem representadas pela violência das polícias nas ruas e as que lutam por melhores dias. Saberemos, por exemplo, que muitas delas possuem interesses em manter a corrupção e a exploração, por que isso lhes trás alguma vantagem individual e egoísta. Mas outras são frutos de décadas e até de séculos da exploração que existe no nosso país, e foram embrutecidas pela tv, com suas lutas de UFC, filmes de Stallones e questões afins. Portanto, estas não são as mantenedoras da exploração e da desigualdade. Enquanto umas querem a volta de um passado sombrio ou deixar tudo com está, as outras apenas estão repetindo o que aprenderam por meio dos programas de televisão e de outros meios de comunicação.
É preciso assumir que o desafio é mais nosso do que delas, pois somos nós que queremos construir uma sociedade democrática, ética e humana, no sentido mais amplo dessas palavras. A maioria delas ainda não! E que, para isso acontecer, a nossa mínima ação, junto com uma boa comunicação, precisa funcionar. A boa novidade é que embora os recentes golpes tenham sido violentos contra os nossos direitos e a nossa dignidade, a reação nas ruas e nas redes sociais já está superando aquela primeira fase de disputas verbais, lamentações e perplexidades.
A primeira inovação foi a de reunir diferentes fóruns para refletir sobre os direitos ameaçados, como: a volta do arrocho salarial e o aumento de idade para as aposentadorias, o corte drástico de investimentos nas áreas da educação e da saúde, o fim das políticas de moradias populares e de mobilidade urbana, o reinício da guerra pela ocupação e uso do solo, às mudanças na legislação de demarcação das terras indígenas, a volta da violência do Estado sobre os cidadãos, a volta da desnutrição infantil e da pobreza extrema, o aparelhamento das TVs públicas e o desmantelamento das políticas culturais etc.. No entanto, hoje já podemos dizer que o nosso Propósito maior (#EmDefesaDosDireitosEDasNossasRiquezas) e os nossos Princípios (valores democráticos e universais) estão muito claros para a maioria da população e que estamos realizando um combate sem trégua aos diferentes tipos de discriminação política, religiosa, de gênero, étnica, cultural etc.
Nesse processo reconhecemos que houve um imenso massacre midiático, que a maioria dos atuais deputados e senadores não está do nosso lado, que o Poder Judiciário é seletivo e que também as polícias estaduais já estão mostrando as suas caras. Mas também nos ensinou que esse golpe nos pegou dispersos e pouco organizados, que essas duras contradições da vida fizeram com que milhares de pessoas começassem a dialogar com mais objetividade, criando e inovando suas próprias redes sociais (não só virtuais) e não se restringindo às disputas partidárias.
Esse reconhecimento e as atitudes de reunir representam, por si só, grandes avanços! Mas ainda temos um grande desafio pela frente: alinhar o máximo possível essas pautas diversificadas por meio de um processo democrático e cooperativo de organizações livres e plurais. Será que seremos capazes de construir e pactuar uma agenda comum e reconquistar a confiança de outras organizações existentes, além de incorporar a cidadania como protagonista dessas mudanças e conquistas?
É sempre bom lembrar que em tempos de mares agitados acontecem fatos que parecem milagres. Principalmente, se na outra margem do oceano que nos separa estão pessoas que não tem moral e nem apoio popular para levar em frente as suas tramóias. Portanto, façamos os nossos milagres! Não podemos ficar em silêncio, paralisados, apenas aguardando uma intervenção divina. Há momentos para refletir, mas este é um daqueles momentos em que precisamos raciocinar e também agir.
José Pepe Mujica
Durante este período de crise econômica, moral e política que estamos atravessando no Brasil e no mundo é comum a gente analisar e interpretar o “discurso” que está sendo dito e publicado pelos jornais e também pelos parentes, amigos e amigas. Confesso que somente o da Rede Globo – pelo seu alcance territorial – está me tirando do sério. O meu desafio tem sido o de encarar essa adversidade com paciência, por mais confusa e dura que ela seja, pois entendo que existem vários elementos de análise e que nenhum deles pode ser considerado como definitivo. Também entendo que esse processo e as adversidades que estamos vivendo ensinam mais do que os velhos discursos eloquentes que estávamos acostumados a ouvir. O que vai sair daí? Nem Deus sabe.
Por maiores que tenham sido os nossos acertos, os nossos erros estão nos ensinando muito mais. Apesar disso, algumas pessoas seguem adotando explicações baseadas apenas no direito, na psicanálise e na psicologia, e querem nos enquadrar nas “normas jurídicas” e nas “doenças mentais”. Outras ainda adotam aquele viés economicista e, junto com os grandes meios de comunicação, fazem suas previsões catastróficas e bombásticas. Mas também existem aquelas idealistas que querem que o mundo pare, e não fazem nada para colaborar na busca de uma saída digna e coletiva. O problema delas, em sua imensa maioria, é que muitas preferem prever o futuro para depois morrer com a razão. Nenhuma delas reconhece a velha luta de classes e algumas, mesmo críticas do sistema, preferem acompanha-la à distância, na teoria e não na vida real.
São poucas as pessoas que adotam uma visão prática-humana-histórica e sensível da realidade. Talvez seja porque para adquirir uma compreensão sensível da nossa história e dos interesses que estão em jogo, seria necessário se valer de questões complexas, culturais, objetivas e subjetivas… E isso, além de paciência, exigiria muitas reflexões individuais e coletivas. Seria necessário responder algumas questões, como: quais foram as circunstâncias, os fenômenos e as “políticas” que nos trouxeram a viver até este momento atual? O que as pessoas que hoje criticam pensavam e debatiam até cinco anos atrás? O que essas pessoas fizeram até aqui para mudar as “coisas” e essas circunstâncias que elas tanto criticam? Qual é o canal de televisão e/ou emissora de rádio que essas pessoas costumam se informar? Entendo que somente ao refletir sobre estas questões será possível diferenciar uma opinião idealista de outra realista e comprometida com as mudanças. O resto é ficar discutindo sobre a razão, pela razão.
A razão não é tudo, já disse alguém. Mas além dela existem os simbolismos e as espiritualidades que se confrontam com o pensamento maniqueísta e preconceituoso dos colonizadores europeus, disse outra pessoa. Isso pode e deve ser utilizado como arma poderosa, capazes de enfrentar e desconstruir as narrativas idealistas e excludentes, disse uma terceira. Somente se essas reflexões forem consideradas parciais e as nossas decisões forem tomadas de forma coletiva, com serenidade, sabedoria e determinação, diremos nós.
Por quê? Porque ao debater sobre essas questões coletivamente não existirão mais surpresas se identificarmos as contradições entre a prática e o discurso, ao diferenciarmos as pessoas que se sentem representadas pela violência das polícias nas ruas e as que lutam por melhores dias. Saberemos, por exemplo, que muitas delas possuem interesses em manter a corrupção e a exploração, por que isso lhes trás alguma vantagem individual e egoísta. Mas outras são frutos de décadas e até de séculos da exploração que existe no nosso país, e foram embrutecidas pela tv, com suas lutas de UFC, filmes de Stallones e questões afins. Portanto, estas não são as mantenedoras da exploração e da desigualdade. Enquanto umas querem a volta de um passado sombrio ou deixar tudo com está, as outras apenas estão repetindo o que aprenderam por meio dos programas de televisão e de outros meios de comunicação.
É preciso assumir que o desafio é mais nosso do que delas, pois somos nós que queremos construir uma sociedade democrática, ética e humana, no sentido mais amplo dessas palavras. A maioria delas ainda não! E que, para isso acontecer, a nossa mínima ação, junto com uma boa comunicação, precisa funcionar. A boa novidade é que embora os recentes golpes tenham sido violentos contra os nossos direitos e a nossa dignidade, a reação nas ruas e nas redes sociais já está superando aquela primeira fase de disputas verbais, lamentações e perplexidades.
A primeira inovação foi a de reunir diferentes fóruns para refletir sobre os direitos ameaçados, como: a volta do arrocho salarial e o aumento de idade para as aposentadorias, o corte drástico de investimentos nas áreas da educação e da saúde, o fim das políticas de moradias populares e de mobilidade urbana, o reinício da guerra pela ocupação e uso do solo, às mudanças na legislação de demarcação das terras indígenas, a volta da violência do Estado sobre os cidadãos, a volta da desnutrição infantil e da pobreza extrema, o aparelhamento das TVs públicas e o desmantelamento das políticas culturais etc.. No entanto, hoje já podemos dizer que o nosso Propósito maior (#EmDefesaDosDireitosEDasNossasRiquezas) e os nossos Princípios (valores democráticos e universais) estão muito claros para a maioria da população e que estamos realizando um combate sem trégua aos diferentes tipos de discriminação política, religiosa, de gênero, étnica, cultural etc.
Nesse processo reconhecemos que houve um imenso massacre midiático, que a maioria dos atuais deputados e senadores não está do nosso lado, que o Poder Judiciário é seletivo e que também as polícias estaduais já estão mostrando as suas caras. Mas também nos ensinou que esse golpe nos pegou dispersos e pouco organizados, que essas duras contradições da vida fizeram com que milhares de pessoas começassem a dialogar com mais objetividade, criando e inovando suas próprias redes sociais (não só virtuais) e não se restringindo às disputas partidárias.
Esse reconhecimento e as atitudes de reunir representam, por si só, grandes avanços! Mas ainda temos um grande desafio pela frente: alinhar o máximo possível essas pautas diversificadas por meio de um processo democrático e cooperativo de organizações livres e plurais. Será que seremos capazes de construir e pactuar uma agenda comum e reconquistar a confiança de outras organizações existentes, além de incorporar a cidadania como protagonista dessas mudanças e conquistas?
É sempre bom lembrar que em tempos de mares agitados acontecem fatos que parecem milagres. Principalmente, se na outra margem do oceano que nos separa estão pessoas que não tem moral e nem apoio popular para levar em frente as suas tramóias. Portanto, façamos os nossos milagres! Não podemos ficar em silêncio, paralisados, apenas aguardando uma intervenção divina. Há momentos para refletir, mas este é um daqueles momentos em que precisamos raciocinar e também agir.
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