Ouso falar sobre um gesto simbólico, ainda que tudo que se possa dizer, sobre ele, jamais será esgotado por intermédio das palavras. Por isso, antes de tudo, perante ele me calo e deixo que ele, por si só, me fale, a fim de que eu possa, minimamente, balbuciar sobre o seu significado.
Gesto que fala e cala!
Trata-se de um gesto carregado de significados, promovido na SEMANA DE GREVE UNIFICADA DOS SERVIDORES PÚBLICOS ESTADUAIS, promovido pelos e pelas estudantes da Escola Estadual de Ensino Médio Colônia de Pescadores Z-3, Pelotas, Rio Grande do Sul. Gesto particular e ao mesmo tempo gesto-símbolo, expressão de tantos outros gestos realizados em tantas outras paragens gaúchas.
Gesto local com expressão simbólica regional!
Um gesto que significa solidariedade, amorosidade, partilha, sensibilidade humana e todos os sentimentos mais nobres desenvolvidos pela humanidade, e ao mesmo tempo, expressa crítica dura, luta combativa, indignação ética, rejeição da injustiça promovida pelo atual Governo Estadual contra os servidores – atitudes estas, igualmente, muito nobres.
Gesto de amor e luta!
Um gesto educativo, criado por jovens estudantes, encharcado de amor e de luta, pleno de cidadania e humanidade, inundado de generosidade e crítica, cadenciado pelas batidas do coração e pelos gritos de quem diz “não, não” à opressão!
Gesto de acolhida e rejeição!
Gesto novo, nascido nas férteis margens da Laguna dos Patos, regado pelos sonhos de novas relações humanas.
Um gesto envolvente, surgido numa Colônia de Pescadores, pescado pela criatividade jovem de quem não se deixou contaminar pela poluição do egoísmo.
Um gesto rico de fraternidade, oriundo de uma Escola pobre, situada numa comunidade economicamente empobrecida, que luta coletivamente pela transformação das atuais e precárias condições materiais oferecidas pelo Governo do Estado.
Gesto nutrido na Escola que não tem merendeira.
Gesto limpo, asseado na Escola desprovida de funcionário para os serviços gerais.
Gesto desbravador de novos caminhos, abertos pela Escola que não tem garantido o seu direito de difícil acesso.
Gesto que marca presença no atual momento histórico através da Escola para onde muitos profissionais, compreensivamente, rejeitam ir.
Gesto firmado na direção certa, criado pelos e pelas estudantes que têm uma Diretora que dirige a Escola, faz merenda, limpa as salas e os auxilia nas questões extra-escola.
Gesto educativo originado pela Escola na qual os educadores teimam em educar contra toda a corrente que insiste em lhes colocar empecilhos diversos.
Gesto que começou a ser produzido pelo gesto que lhe é oposto, provindo do Governo Estadual, que sequer cumpre, minimamente, com a sua obrigação de pagar os salários integralmente em dia e ainda pretende arrochar a vida dos servidores estaduais com os seus pacotes de maldades na Assembleia Legislativa.
Gesto de educandos e educandas, que ao saber do desespero de sua Diretora resolveram dar-lhe um sinal de esperança. Gesto de quem rejeita a forma como uma educadora é tratada em pleno século XXI e nesse mesmo gesto a acolhe de forma amorosa no seio da comunidade.
Gesto nosso, anti-gesto-governamental!
Gesto de indignação diante da fala de uma Diretora que diz “não sei até quando vou aguentar”, “acho que terei de ir embora daqui”, “não consigo mais pagar o aluguel”, “se eu pudesse até viria morar na escola”;
Gesto de desespero!
Gesto que responde ao gesto da Diretora, e que através do gesto dos e das estudantes fala silenciosamente a ela: “nós estamos contigo porque tu estás conosco”, “deixaste tudo e vieste para cá e te tornaste uma de nós”, “não te abandonaremos porque jamais nos abandonaste”, “conta com a gente”, “ânimo mulher, não desista, pois foi isso que sempre nos ensinaste”, “esse aluguel ai resolveremos, na solidariedade, na vaquinha solidária dos pobres para com os pobres”.
Gesto de esperança!
Gesto de quem tem relações pessoais com quem soube fazer relações pessoais, verdadeiramente humanas, para além de qualquer funcionalidade administrativa.
Gesto humano!
Gesto de quem sabe que a Escola é pública, de estudantes que sabem que têm direito a uma educação gratuita, pública e de qualidade, sabem que é dever do governo pagar os servidores integralmente em dia, sabem que uma escola deve ter as condições necessárias para a relação de ensino-aprendizagem... mas nem por isso lavam as suas mãos desresponsabilizando-se pelos que sofrem na pele as consequências de um governo inconsequente, e por isso socorrem a necessitada, e fazem deste socorro um grito de luta contra as situações políticas que geraram essas dores.
Gesto de compromisso!
Gesto de jovens que tiram as poucas moedas do próprio bolso, pedem algumas para os vizinhos, aos pobres professores que nesse mês receberam 600 reais, ao pescador que vive do seguro-defeso, à vó aposentada, ao desempregado que vive de bicos, à casa que sobrevive de bolsa-família, ao sub-empregado que sequer tem carteira assinada, contribuições de professores que desenvolvem trabalhos na Z-3, do padre que atende a comunidade, da caixinha de formatura da turma... e de moeda em moeda vão honrando a história de uma comunidade que sempre soube coletivamente se mobilizar, se organizar na luta por direitos, defender quem precisa, solidarizar-se com quem sofre.
Um gesto capaz de abarrotar de felicidade os membros daquela comunidade.
Que enorme prazer, para qualquer pessoa, poder conviver com gente tão humana.
Gesto de quem crer no poder da união de uma comunidade e por isso, em nenhum momento, se preocupou se o valor arrecadado seria o suficiente para pagar o aluguel. Se não chegasse ao valor final, mesmo assim valeria o gesto; se chegasse, que bom; se o ultrapassasse ainda melhor; porém não foi esse, em nenhum momento, o foco da ação. O importante estava na decisão de agir, realizar o gesto simbólico de solidariedade a ela e de crítica ao governo.
Gesto centrado na ação humana, não no dinheiro!
Gesto que certamente não resolverá o problema, e por isso mesmo, é um gesto engendrador de outros futuros gestos que começam ser cogitados, gestos mais duros, gestos mais combativos, gestos que comprometam aqueles que não querem se comprometer com esse caos. Gestos guardados em segredo, até que se realizem.
Gesto gerador de gestos futuros!
Para realizar esse gesto, num período de greve, a articulação não foi pouca. Uns coletavam num lugar e outros noutro, houve desencontros de horários, dificuldades de comunicação, o segredo deveria ser mantido para que a Diretora sequer desconfiasse do que estava ocorrendo. O que cada um doou foi anotado num caderninho para a prestação de contas para os doadores, para ela, apenas o resultado da coleta e os nomes dos doadores, sem a discriminação de qualquer valor, com a certeza de que todos doaram a mesma coisa, ou seja, tudo o que podiam doar segundo a sua condição.
Gesto de igualdade!
Gesto nascido da escuridão na qual o atual governo colocou o Estado e ao mesmo tempo gesto capaz de iluminar essa realidade. Gesto que valoriza a desvalorizada. Gesto generoso que não deixa a opressão se realizar de forma cabal. Gesto bom nascido da realidade ruim. Gesto que demonstra que a humanidade do ser humano não está ainda totalmente desumanizada. Gesto que simboliza e serve de exemplo para os casos semelhantes, além de denunciar todos os descasos do (des)governo atual. Um gesto com a força de nos educar, e que deveria, sobretudo, educar o governo, incapaz de qualquer gesto semelhante – só capaz de contra-gestos como esse.
Gesto educativo!
Gesto que não quer expor a humilhação violenta pela qual passa uma Diretora, visto que se há alguma vergonha a ser sentida, ela deveria estar estampada no rosto dos sem-vergonha que a produziram no Palácio. Gesto que não quer fazer desta pessoa singular (a Diretora) a heroína desta conjuntura, visto que há muitos casos semelhantes, e quem sabe até piores que este, ocorrendo pelos pagos gaúchos. Gesto que quer chamar a atenção para um problema geral através de um exemplo local.
Gesto simbólico!
Gesto através do qual os nossos alunos e as nossas alunas nos ensinaram lições de solidariedade e luta, nos comprometeram com a pessoa necessitada e com o combate à opressão, nos envolveram na luta contra as causas e os efeitos da injustiça estrutural, e, com isso tudo, nos humanizaram através de seus diversos exemplos: indignação, choro de raiva, sofrimento, compaixão, mobilização, ação organizada, compromisso e afins.
Gesto de jovens sujeitos!
Gesto, como aludido no princípio, inesgotável. Por mais que se escreva sobre ele é impossível descrevê-lo. Por mais que se diga, ele se encontra no âmbito do indizível. Seus significados são, pessoalmente e coletivamente, variados e a sua multiplicação em outros gestos infinita.
Bons gestos a todos os indigestos que não engolem essa situação. Gesto de solidariedade, luta e indignaçã