Os homens pareciam felizes, riam muito. Quem é que pode estar feliz em uma situação dessas, o homem está lá num morre não morre. A conversa parecia ter terminado, um dos homens se dirigiu para o “seu” ônibus, entrou e deu a partida. Ufa, pensou o homem, Agora vai! O motorista ligou o motor e desceu, acendeu um cigarro, era o tempo de o motor esquentar. O homem não pode deixar de soltar uma imprecação, mais essa!
Foi aí que ouviu a batida na janela, ué quem poderia ser, ninguém sabia de sua partida. olhou pela janela e avistou um guri, não tinha mais do que uns treze ou catorze anos. Trazia junto ao corpo um tabuleiro de madeira lhe pareceu, coberto com um guardanapo grande de tecido. Ah, um vendedor pensou o homem, estava demorando. Abriu a janela com impaciência e ficou olhando para o menino com desdém.
-bom dia senhor, quer comprar uma rapadurinha?
O homem nem respondeu, fechou a janela num movimento rápido. Ainda bem que o ônibus já vai sair, pensou. Olhou pela janela em direção ao local em que o motorista se posicionara. O cigarro já estava pela metade, o homem já não se aguentava de tanta ansiedade. Outra vez ouviu a batida em sua janela. Dessa vez ao abrir já não demonstrava aquela paciência que tinha tido na vez anterior. O menino voltou à carga.
-Senhor, pode pelo menos comprar uma?
O homem começou a gritar com o menino.
-Sai daqui moleque, não se enxerga, não?
Nem bem terminou a frase se deu conta que junto com as palavras algo mais se desprendeu de sua boca. Olhou para baixo e avistou sua ponte móvel que parecia rir de sua situação. Cinco dentes arranjados em uma superfície de metal, olhando assim não pareciam fazer a menor diferença ou falta. Mas, para o homem representavam a metade de seu sorriso, e agora? o homem começou a suar e sentiu que seu corpo estava pegando fogo. Olhou para o motorista e lhe pareceu que o cigarro já estava no final.
O menino estava impassível esperando a reação do homem. O homem analisou a situação, viu que não tinha saída. Se pudesse descia do ônibus e iria atrás do guri, qual o quê, imagina se teria condições de correr atrás daquele guri? Nem se passasse toda a vida correndo.
Olhou de novo, o motorista já apagava o cigarro no chão com uma pisada definitiva. Por sorte entrou na rodoviária mais uma vez. Devia ser a última ida ao banheiro, agora o tempo que o homem ainda tinha se esvaía com uma velocidade de cronômetro. Olhou para o menino e disse:
-Me dá duas.
Agora a situação era diferente, o menino estava em vantagem e respondeu com uma pergunta:
-duas?
O homem começou a alucinar, parecia enxergar o motorista saindo da rodoviária e entrando no ônibus. Não adiantou nada ser generoso e comprar duas, sentiu que estava indo para um caminho sem volta.
- tá bom, me dá cinco, cinco não, me dá dez.
O guri olhou para o homem, seu olhar zombeteiro traduzia o sentimento de quem estava esperando por aquela oportunidade.
-dez ?
O homem resolveu capitular, não tinha mesmo como resolver aquela situação de outra maneira.
- tá bom, me dá todas . . .
O guri fez o cálculo, o homem passou o dinheiro e ficou com um sacão de rapaduras. Apesar de tudo não se sentia derrotado, afinal de contas estava de posse do seu sorriso outra vez. Em seguida o motorista apareceu e o homem teve uma sensação de alívio.
Mal o motorista entrou no Ônibus e foi dar início à viagem o motor apagou, era o fim da viagem, agora só teria outro horário no próximo dia. O homem desceu do ônibus e foi andando em direção à sua casa, abriu o saco e comeu a primeira rapadura, o caminho seria longo.
Enio Andrade
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