terça-feira, 5 de setembro de 2023

A IDEOLOGIA DO DISCURSO X A IDEOLOGIA DA AÇÃO - Reginaldo Bacci


O presente artigo não tem a pretensão de esgotar um tema tão importante como o

papel e a importância da ideologia como instrumento de dominação daqueles que

detêm o capital e as estruturas estatais e são capazes de utilizá-las como

instrumento de dominação cultural, social, econômica e política das classes

trabalhadoras, que nós do PDT historicamente defendemos. Essa dominação é

exercida pelos conservadores e liberais e têm a função de difundir seus ideais, para

garantir a manutenção da sua hegemonia e da posição de privilegiada que ocupam

na sociedade pós moderna. E o fazem de uma maneira tão “natural”, utilizando as

estruturais sociais e econômicas a sua disposição, que afastam de si e de todos a

ideia da existência da ideologia no mundo pós moderno como mecanismo de

dominação. Ledo engano, estamos vivendo sob a égide da ideologia de uma forma

nunca antes vivenciada.

Qual o papel de um partido político ou ainda qual o papel no PDT na compreensão

e na mediação histórica de um mundo em que os dominadores insistem no fim da

ideologia, enquanto a utilizam, subliminarmente, para continuarem mantendo sua

posição e privilégios, na medida que, a cada dia, a equiparação de armas entre o

trabalho e o capital está mais desproporcional, ou seja, os trabalhadores perdem

espaços e direitos trabalhistas e previdenciários? Mas avancemos em algumas

digressões teóricas – ainda que de forma superficial – para não alongar e não tornar

enfadonho aquilo que é, na realidade, um questionamento real e atual sobre a

situação do PDT RS.

Considere o seguinte paradoxo, como nos aponta o Terry Eagleton, em seu livro

Ideologia. “A última década testemunhou um ressurgimento notável de movimentos

ideológicos em todo o mundo. No Oriente Médio, o fundamentalismo islâmico

emergiu como uma potente força política. No chamado Terceiro Mundo ... o

nacionalismo revolucionário continua em luta com o poder imperialista. Em alguns

estados pós-capitalistas do bloco oriental, um neostalinismo ainda obstinado

mantém-se em combate contra um batalhão de forças oposicionistas. A nação

capitalista mais poderosa da história foi arrebatada, de ponta a ponta, por um tipo

particularmente nocivo de evangelismo cristão.” Fica evidente que a ideologia não só

existe no mundo pós moderno como ela alcançou todos os continentes e centenas

de países.

Eagleton continua: “Como explicar tal absurdo? Por que, em um mundo

atormentado pelo conflito ideológico, a própria noção de ideologia evaporou-se, sem

deixar vestígios, dos escritos pós-modernistas e pós-estruturalistas?” A resposta é

complexa e difícil, mas se pode inferir que os liberais e conservadores mantêm sob

seu comando os aparatos financeiros e de comunicação, e assim “vendem” o que

lhes apraz e o que é pior, até mesmo os homens e mulheres de bem da centro

esquerda e da esquerda “engolem” tais teorias.

Eagleton continua e é enfático ao afirmar: “A chave teórica para esse enigma é um

dos assuntos que abordaremos neste livro. De modo muito sucinto, argumento aqui

que três doutrinas essenciais do pensamento pós-modernista conspiraram para

desacreditar o conceito clássico de ideologia. A primeira dessas doutrinas gira em

torno da rejeição da noção de representação - na verdade, a rejeição de um modelo

empírico de representação, no qual o bebê representacional foi displicentemente

lançado fora junto com a água do banho empírica. A segunda diz respeito a um

ceticismo epistemológico segundo o qual o próprio ato de identificar uma forma de

consciência como ideológica implica alguma noção indefensável de verdade

absoluta. Como a última ideia atrai poucos adeptos hoje em dia, acredita-se que a

primeira desmorona em seu rastro. ... A terceira doutrina refere-se a uma

reformulação das relações entre racionalidade, interesses e poder, em bases mais

ou menos nietzschianas, a qual, segundo se acredita, torna redundante todo o

conceito de ideologia. Tomadas em conjunto, essas três teses foram consideradas

por alguns suficientes para descartar toda a questão da ideologia.”

Percebam que exatamente neste momento histórico em que a ideologia se propaga e

sustenta ações em todo o planeta, ela é varrida para baixo do tapete. O absurdo é

tanto que o filósofo italiano pós-modernista, Gianni Vattimo, afirma que o fim da

modernidade e o fim da ideologia são momentos idênticos. “Postmodern Criticism:

Postmodern Critique”. In: David Woods (Ed.), Writing the Future, London, 1990,

p.57). Essa supressão da ideologia não foi a primeira vez que aconteceu no mundo.

Lembre-se, que após a segunda guerra mundial esse fato também ocorreu, “mas

enquanto esse movimento podia ser explicado, pelo menos em parte, como uma

reação traumatizada aos crimes do fascismo e do stalinismo, nenhuma

fundamentação política escora a aversão contemporânea à crítica ideológica.”

Observa Eagleton, que “Hegel observa em algum lugar que todos os grandes eventos

históricos acontecem, por assim dizer, duas vezes. (E aqui ele esqueceu de

acrescentar: a primeira como tragédia, a segunda como farsa).

Além disso, a escola do “fim da ideologia” era, claramente, uma criação da direita

política, ao passo que nossa própria complacência “pós-ideológica” exibe, com

muita frequência, credenciais radicais. Se os teóricos do “fim da ideologia”

consideravam toda ideologia inerentemente fechada, dogmática e inflexível, o

pensamento pós-modernista, por sua vez, tende a encarar toda ideologia como

teleológica, “totalitária” e fundamentada em argumentos metafísicos.”

Para Marilena Chauí a ideologia “é um conjunto lógico, sistemático e coerente de

representações (ideias e valores) e de normas ou regras (de conduta) que indicam e

prescrevem aos membros da sociedade o que devem pensar e como devem pensar, o

que devem valorizar e como devem valorizar, o que devem sentir e como devem

sentir, o que devem fazer e como devem fazer. ... “(Marilena Chauí, O que é ideologia

1980).

Obviamente, que poderíamos aprofundar esse tema a partir da compreensão de

Marx, Althousser e Laclau, entre tantos outros autores, cuja contribuição são

inarredáveis, ainda que as conclusões possam receber críticas, releituras,

adaptações e ampliações.

Peço desculpa ao companheiro/a que chegou até aqui e ainda não compreendeu

com clareza o objetivo deste artigo, escrito por um militante do PDT sem nenhuma

credencial acadêmica e para não me estender mais, pois acredito que agora

nivelamos o ponto de partida – vamos ao que interessa.

Por que o PDT deve ou pode participar de um governo liberal? Qual o papel do

discurso/narrativa ideológica quando confrontado com a ação ideológica

necessária. Essa é a pergunta que quero fazer e debater com os companheiros/as

do PDT.

Existe um comprometimento ético ou moral por trás de um discurso ideológico

capaz de restringir o acesso ao poder – compreenda-se aqui toda e qualquer

estrutura capaz de ação eficaz para transformação da realidade por intermédio de

uma ação ideológica?

Até onde o discurso ideológico nos impedirá de avançar para a ação ideológica e o

que podemos fazer para afastar as falsas dicotomias e focar naquilo que realmente

importa – transformar a sociedade?

O mero discurso ideológico para ascender à estrutura de poder sem a ação

ideológica efetiva interessa ao PDT, já que as consequências são tão somente o

locupletamento individual – seja financeiro ou de imagem?

A minha modesta contribuição, vai no sentido de que podemos sopesar o discurso e

ou a narrativa ideológica para a construção efetiva de uma ampla frente político

partidária para chegar ao poder e assim utilizar sua estrutura para consolidar

ações ideológicas transformadoras em prol de uma sociedade fraterna, solidária e

justa.

Claro, que nestes casos, o PDT deve liderar essa frente, se não em todas as

ocasiões, pelo menos na grande maioria delas. Ao liderar essa ampla frente político

partidária deve ter em mente o que poderá ceder e quanto poderá ceder sem perder

a sua essência trabalhista, daí porque preservar para si áreas como educação,

saúde, segurança, finanças e desenvolvimento. Áreas estruturantes na construção

da sociedade que queremos. Quando não tivermos a liderança dessa frente, temos

que buscar áreas da estrutura do Estado, que nos permitam exercer uma ação

ideológica consistente em favor da sociedade que queremos e defendemos e para

tanto deixar claro, desde o início do processo de negociação com as demais forças,

que não abrimos mão do exercício da ação ideológica transformadora.

Por outro lado, participar tão somente da estrutura de governo/poder para não ter

uma ação ideológica alinhada ao nosso passado trabalhista e capaz de transformar

o futuro de nossa gente, será uma tarefa inócua e sem qualquer benefício para o

conjunto do partido. Estar-se-á beneficiando pessoas e ou pequenos grupos – que

sem qualquer capacidade de ação ideológica – estarão, na melhor das

possibilidades, reproduzindo as políticas liberais e ou conservadoras sem qualquer

afinidade com nossos princípios ideológicos e na pior das situações essas pessoas e

grupos estarão tirando proveito próprio, locupletando-se financeiramente e

promovendo suas imagens às custas da nossa ideologia trabalhista, impondo a

grande maioria dos militantes partidários a vergonha e a pecha de oportunistas sem

qualquer princípio ideológico ou programático.

De toda a sorte, sopesar os princípios ideológicos construídos a duras penas por

homens e mulheres trabalhistas, que deram suas vidas para a construção do nosso

Rio Grande e do nosso país, só terá algum sentido, no meu entender, se e somente

se, nos espaços que nos são oferecidos, sejamos capazes de construir e realizar

ações ideológicas afinadas com nossos ideais.

Essa é apenas uma pequena reflexão ideológica despretensiosa, mas que espera

poder despertar o bom debate entre nós trabalhistas.


(*) Reginaldo Bacci – Presidente do PDT Pelotas- RS

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