O presente artigo não tem a pretensão de esgotar um tema tão importante como o
papel e a importância da ideologia como instrumento de dominação daqueles que
detêm o capital e as estruturas estatais e são capazes de utilizá-las como
instrumento de dominação cultural, social, econômica e política das classes
trabalhadoras, que nós do PDT historicamente defendemos. Essa dominação é
exercida pelos conservadores e liberais e têm a função de difundir seus ideais, para
garantir a manutenção da sua hegemonia e da posição de privilegiada que ocupam
na sociedade pós moderna. E o fazem de uma maneira tão “natural”, utilizando as
estruturais sociais e econômicas a sua disposição, que afastam de si e de todos a
ideia da existência da ideologia no mundo pós moderno como mecanismo de
dominação. Ledo engano, estamos vivendo sob a égide da ideologia de uma forma
nunca antes vivenciada.
Qual o papel de um partido político ou ainda qual o papel no PDT na compreensão
e na mediação histórica de um mundo em que os dominadores insistem no fim da
ideologia, enquanto a utilizam, subliminarmente, para continuarem mantendo sua
posição e privilégios, na medida que, a cada dia, a equiparação de armas entre o
trabalho e o capital está mais desproporcional, ou seja, os trabalhadores perdem
espaços e direitos trabalhistas e previdenciários? Mas avancemos em algumas
digressões teóricas – ainda que de forma superficial – para não alongar e não tornar
enfadonho aquilo que é, na realidade, um questionamento real e atual sobre a
situação do PDT RS.
Considere o seguinte paradoxo, como nos aponta o Terry Eagleton, em seu livro
Ideologia. “A última década testemunhou um ressurgimento notável de movimentos
ideológicos em todo o mundo. No Oriente Médio, o fundamentalismo islâmico
emergiu como uma potente força política. No chamado Terceiro Mundo ... o
nacionalismo revolucionário continua em luta com o poder imperialista. Em alguns
estados pós-capitalistas do bloco oriental, um neostalinismo ainda obstinado
mantém-se em combate contra um batalhão de forças oposicionistas. A nação
capitalista mais poderosa da história foi arrebatada, de ponta a ponta, por um tipo
particularmente nocivo de evangelismo cristão.” Fica evidente que a ideologia não só
existe no mundo pós moderno como ela alcançou todos os continentes e centenas
de países.
Eagleton continua: “Como explicar tal absurdo? Por que, em um mundo
atormentado pelo conflito ideológico, a própria noção de ideologia evaporou-se, sem
deixar vestígios, dos escritos pós-modernistas e pós-estruturalistas?” A resposta é
complexa e difícil, mas se pode inferir que os liberais e conservadores mantêm sob
seu comando os aparatos financeiros e de comunicação, e assim “vendem” o que
lhes apraz e o que é pior, até mesmo os homens e mulheres de bem da centro
esquerda e da esquerda “engolem” tais teorias.
Eagleton continua e é enfático ao afirmar: “A chave teórica para esse enigma é um
dos assuntos que abordaremos neste livro. De modo muito sucinto, argumento aqui
que três doutrinas essenciais do pensamento pós-modernista conspiraram para
desacreditar o conceito clássico de ideologia. A primeira dessas doutrinas gira em
torno da rejeição da noção de representação - na verdade, a rejeição de um modelo
empírico de representação, no qual o bebê representacional foi displicentemente
lançado fora junto com a água do banho empírica. A segunda diz respeito a um
ceticismo epistemológico segundo o qual o próprio ato de identificar uma forma de
consciência como ideológica implica alguma noção indefensável de verdade
absoluta. Como a última ideia atrai poucos adeptos hoje em dia, acredita-se que a
primeira desmorona em seu rastro. ... A terceira doutrina refere-se a uma
reformulação das relações entre racionalidade, interesses e poder, em bases mais
ou menos nietzschianas, a qual, segundo se acredita, torna redundante todo o
conceito de ideologia. Tomadas em conjunto, essas três teses foram consideradas
por alguns suficientes para descartar toda a questão da ideologia.”
Percebam que exatamente neste momento histórico em que a ideologia se propaga e
sustenta ações em todo o planeta, ela é varrida para baixo do tapete. O absurdo é
tanto que o filósofo italiano pós-modernista, Gianni Vattimo, afirma que o fim da
modernidade e o fim da ideologia são momentos idênticos. “Postmodern Criticism:
Postmodern Critique”. In: David Woods (Ed.), Writing the Future, London, 1990,
p.57). Essa supressão da ideologia não foi a primeira vez que aconteceu no mundo.
Lembre-se, que após a segunda guerra mundial esse fato também ocorreu, “mas
enquanto esse movimento podia ser explicado, pelo menos em parte, como uma
reação traumatizada aos crimes do fascismo e do stalinismo, nenhuma
fundamentação política escora a aversão contemporânea à crítica ideológica.”
Observa Eagleton, que “Hegel observa em algum lugar que todos os grandes eventos
históricos acontecem, por assim dizer, duas vezes. (E aqui ele esqueceu de
acrescentar: a primeira como tragédia, a segunda como farsa).
Além disso, a escola do “fim da ideologia” era, claramente, uma criação da direita
política, ao passo que nossa própria complacência “pós-ideológica” exibe, com
muita frequência, credenciais radicais. Se os teóricos do “fim da ideologia”
consideravam toda ideologia inerentemente fechada, dogmática e inflexível, o
pensamento pós-modernista, por sua vez, tende a encarar toda ideologia como
teleológica, “totalitária” e fundamentada em argumentos metafísicos.”
Para Marilena Chauí a ideologia “é um conjunto lógico, sistemático e coerente de
representações (ideias e valores) e de normas ou regras (de conduta) que indicam e
prescrevem aos membros da sociedade o que devem pensar e como devem pensar, o
que devem valorizar e como devem valorizar, o que devem sentir e como devem
sentir, o que devem fazer e como devem fazer. ... “(Marilena Chauí, O que é ideologia
1980).
Obviamente, que poderíamos aprofundar esse tema a partir da compreensão de
Marx, Althousser e Laclau, entre tantos outros autores, cuja contribuição são
inarredáveis, ainda que as conclusões possam receber críticas, releituras,
adaptações e ampliações.
Peço desculpa ao companheiro/a que chegou até aqui e ainda não compreendeu
com clareza o objetivo deste artigo, escrito por um militante do PDT sem nenhuma
credencial acadêmica e para não me estender mais, pois acredito que agora
nivelamos o ponto de partida – vamos ao que interessa.
Por que o PDT deve ou pode participar de um governo liberal? Qual o papel do
discurso/narrativa ideológica quando confrontado com a ação ideológica
necessária. Essa é a pergunta que quero fazer e debater com os companheiros/as
do PDT.
Existe um comprometimento ético ou moral por trás de um discurso ideológico
capaz de restringir o acesso ao poder – compreenda-se aqui toda e qualquer
estrutura capaz de ação eficaz para transformação da realidade por intermédio de
uma ação ideológica?
Até onde o discurso ideológico nos impedirá de avançar para a ação ideológica e o
que podemos fazer para afastar as falsas dicotomias e focar naquilo que realmente
importa – transformar a sociedade?
O mero discurso ideológico para ascender à estrutura de poder sem a ação
ideológica efetiva interessa ao PDT, já que as consequências são tão somente o
locupletamento individual – seja financeiro ou de imagem?
A minha modesta contribuição, vai no sentido de que podemos sopesar o discurso e
ou a narrativa ideológica para a construção efetiva de uma ampla frente político
partidária para chegar ao poder e assim utilizar sua estrutura para consolidar
ações ideológicas transformadoras em prol de uma sociedade fraterna, solidária e
justa.
Claro, que nestes casos, o PDT deve liderar essa frente, se não em todas as
ocasiões, pelo menos na grande maioria delas. Ao liderar essa ampla frente político
partidária deve ter em mente o que poderá ceder e quanto poderá ceder sem perder
a sua essência trabalhista, daí porque preservar para si áreas como educação,
saúde, segurança, finanças e desenvolvimento. Áreas estruturantes na construção
da sociedade que queremos. Quando não tivermos a liderança dessa frente, temos
que buscar áreas da estrutura do Estado, que nos permitam exercer uma ação
ideológica consistente em favor da sociedade que queremos e defendemos e para
tanto deixar claro, desde o início do processo de negociação com as demais forças,
que não abrimos mão do exercício da ação ideológica transformadora.
Por outro lado, participar tão somente da estrutura de governo/poder para não ter
uma ação ideológica alinhada ao nosso passado trabalhista e capaz de transformar
o futuro de nossa gente, será uma tarefa inócua e sem qualquer benefício para o
conjunto do partido. Estar-se-á beneficiando pessoas e ou pequenos grupos – que
sem qualquer capacidade de ação ideológica – estarão, na melhor das
possibilidades, reproduzindo as políticas liberais e ou conservadoras sem qualquer
afinidade com nossos princípios ideológicos e na pior das situações essas pessoas e
grupos estarão tirando proveito próprio, locupletando-se financeiramente e
promovendo suas imagens às custas da nossa ideologia trabalhista, impondo a
grande maioria dos militantes partidários a vergonha e a pecha de oportunistas sem
qualquer princípio ideológico ou programático.
De toda a sorte, sopesar os princípios ideológicos construídos a duras penas por
homens e mulheres trabalhistas, que deram suas vidas para a construção do nosso
Rio Grande e do nosso país, só terá algum sentido, no meu entender, se e somente
se, nos espaços que nos são oferecidos, sejamos capazes de construir e realizar
ações ideológicas afinadas com nossos ideais.
Essa é apenas uma pequena reflexão ideológica despretensiosa, mas que espera
poder despertar o bom debate entre nós trabalhistas.
(*) Reginaldo Bacci – Presidente do PDT Pelotas- RS
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