segunda-feira, 16 de maio de 2016

Se o STF fosse responsável por afastar Hitler, o faria depois do Holocausto -- ANA LUCIA SORRENTINO


Na madrugada de 5 de maio, Teori Zavascki concedeu liminar pelo afastamento de Eduardo Cunha. À tarde, o STF a endossou com unanimidade. Em seu relatório pelo afastamento, Zavascki afirmou: “Além de representar risco para as investigações penais sediadas neste Supremo Tribunal Federal, [a permanência de Cunha] é um pejorativo que conspira contra a própria dignidade da instituição por ele liderada”.

O que se viu nessa sessão histórica que afastou Cunha foi o que todos os brasileiros já sabiam desde o início de 2015. Os trabalhos da Câmara foram marcados por manipulações escandalosas de Cunha em favor de si mesmo e de seus comparsas e contra o Brasil. Durante todo o ano as sessões foram tumultuadas e deputados, descontrolados, protagonizaram cenas constrangedoras, por conta da frieza com que Cunha atuava. Muito antes de Rodrigo Janot entregar a Teori Zavascki o pedido de afastamento de Cunha, em dezembro, brasileiros em todos os cantos do país já assinavam petições pedindo o mesmo. Porque o Brasil não só lia, mas via pela TV quem era Cunha e como vinha atuando. Nesses primeiros meses de 2016, nos perguntamos diariamente qual o motivo da protelação de Zavascki. Cunha pintou e bordou, acolheu a denúncia contra Dilma e sambou na cara da sociedade.

A performance do STF me reporta à teoria da banalidade do mal, de Hanna Arendt. A filósofa alemã, falecida em 1975, acompanhou o julgamento de Adolfh Eichmann, que aconteceu em Jerusalém, em 1961, por genocídio contra os judeus e crimes contra a humanidade. Ele se declarava inocente, mas foi condenado e enforcado. Em 1963, Arendt publica a obra “Eichmann em Jerusalém“, em que analisa o indivíduo Eichmann. Segundo ela, ele não tinha histórico antissemita, não apresentava um caráter doentio, nem aparentava ser um carrasco. Era um homem comum. E, ao se defender das acusações, ele protestava repetidamente dizendo que não fizera nada por iniciativa própria, apenas cumprira ordens. Para Arendt, seres humanos que renunciam a qualquer traço pessoal, cumprindo ordens sem questioná-las e sem refletir sobre o bem e o mal que podem causar estão se recusando a ser “pessoas”, estão banalizando o mal. A filósofa percebe o mal como uma escolha política que se dá apenas quando há espaço institucional para isso. No vazio de pensamento do mero cumpridor da atividade burocrática, do obediente radical à ordem legal vigente, a banalidade do mal se instala. Ao obedecer ordens ou normas sem se perguntar sobre o efeito disso, sem resistir a elas ou sem encontrar um meio termo entre a resistência e a cooperação, o homem abdica do que o define como homem: do pensamento, da capacidade de fazer juízos morais. E o ato de pensar, para Arendt, não é o conhecimento, mas a habilidade de distinguir o bem do mal, o belo do feio.

Ao obedecer cegamente ao princípio da divisão dos poderes, protelando por meses uma interferência que, afinal, se deu, e deixando o Brasil mergulhar em uma crise que culmina agora com a aceitação da admissibilidade do impeachment de Dilma, o STF não agiu como mero cumpridor das normas constitucionais, desprovido de pensamento? Se não foi isso, foi de caso pensado e é difícil dizer qual o mal maior. O que nos aguarda agora?  Harendt diz: “Sair da banalidade do mal é fazer a opção ética e responsável na contramão da tendência à destruição que convida constantemente cada um a aderir.” Que os ministros do Supremo a ouçam.

Trecho legendado do filme em que Arendt fala sobre a banalidade do mal:  https://youtu.be/OkESaqHiX3U



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