terça-feira, 15 de outubro de 2019

A FORÇA DOS PARTIDOS É A VITÓRIA DA DEMOCRACIA::O CASO TABATA AMARAL - Gabriel Cassiano


Fui bolsista do RenovaBR em 2018. Foi ali que conheci a hoje deputada federal Tabata Amaral e a convidei para vir ao PDT. Naquela data, pela força da narrativa de sua história, com o seu visível potencial eleitoral e com partidos antenados para garantir a própria sobrevivência (após a aprovação das novas cláusulas eleitorais), muitas siglas a sondavam para que ela pudesse se filiar e ser candidata.

A decisão de sua filiação em determinado partido estava praticamente tomada. Lideranças da agremiação em que ela possivelmente se filiaria (não vou nominar) já davam como certa a assinatura de sua ficha.

Os desafios da construção do PDT em São Paulo eram enormes. Sem ter presenciado as condições de nossa estrutura partidária, tanto no estado quanto na capital, ninguém pode ter ideia da dimensão das lacunas que nos separavam das mínimas condições para difundir um “Projeto Nacional de Desenvolvimento”. Trata-se de um extenso e habitado território que é chave para compreender a desindustrialização tanto na sua percepção teórica quanto na vivência prática de suas consequências mais graves, como o desemprego por exemplo.

As causas que explicam esse angustiante cenário são as mais variadas possíveis. Do antagonismo histórico ao trabalhismo e a construção do Brasil Moderno, representados pela velha república capitaneada por São Paulo, até as frustrações pelos erros de apostas em lideranças que se revelaram verdadeiros descompromissados com o futuro da nação e do povo.

Mas há de imperar o ditado popular: “Quem não arrisca não petisca” e infelizmente para nós trabalhistas a vida será sempre mais dura e a proporcionalidade do estrago do “prêmio de risco” muito mais intensa.

O paradoxo intrínseco na lógica desta sabedoria beira a imensurabilidade, ou seja, o ápice da imprevisibilidade. No entanto, como sou operador da política e não um estudioso dessa maravilhosa arte, preciso agir e fazer, e o tempo, bem como a variação quase diária dos cenários, são inimigos.

Mas voltemos à cronologia dos fatos.

Marquei um café com a famosa Tabata na lanchonete da ALESP após conhecê-la durante as formações do RenovaBR. Algo muito informal e despretensioso. Já sabia um pouco sobre sua história por artigos e matérias de televisão. Queria conhecê-la melhor. O que pensava sobre os diversos assuntos. Ela também iria me apresentar e me falar um pouco mais sobre o movimento “Acredito”, que confesso, desde aquela época já via com maus olhos, muito por endossar o discurso da nova política e por enxergar existir uma contradição colossal na gênese de sua concepção.

Interessante ressaltar que não tinha conhecimento do que era o tal de RenovaBR. Foi um amigo de infância que estagiava na instituição que me mandou o link de inscrição e explicou os detalhes em uma conversa por telefone.

Algo me chamou muita atenção: a bolsa que seria paga durante o período de realização do curso. Para mim, que queria tirar aquele ano para a construção do partido, para auxiliar a campanha presidencial de Ciro Gomes e, quem sabe, lançar uma candidatura para representar nossa juventude, seria perfeito. Precisava de dinheiro para me manter e pagar minha faculdade e se tivesse que trabalhar fora e estudar ao mesmo tempo não teria a menor condição de fazer nenhuma das três coisas.

Até então era um militante pedetista desde 2016, com 20 anos de idade, estudante de economia e que tinha se convencido a entrar no partido após a palestra do Ciro na PUC-SP que organizei junto com o movimento que tocava na FEA. O projeto que Ciro expôs naquela ocasião, bem como sua nítida paixão pelo Brasil, foram pontos cruciais para minha decisão.

Após essa digressão para o interlocutor conhecer um pouco mais sobre minha história, voltemos ao café na ALESP.

Fui ouvindo o que Tabata falava e gostando bastante, apesar de notar que ela não era propriamente trabalhista. A trajetória de vida e a força da bandeira pela educação pública eram latentes e grandes chamarizes. Havia muita verdade naquilo que ela falava. O fato de o PDT ser também o partido da educação pública e integral, ter Brizola e Darcy como referências históricas e o modelo de educação básica do Ceará e Sobral como trunfo presente, começaram naquele instante a evidenciar para Tabata a ligação entre Ciro, o PDT e a sua principal bandeira política, a Educação.

Naquele momento percebi que chegara ao ápice da conversa e que Tabata redobrou a atenção. A partir daí, abriu-se caminho para que, de forma audaciosa e até mesmo um pouco precipitada, eu fizesse uma pergunta que mudaria a minha história, a dela, a do PDT, a de Ciro e, de certo modo, a da política nacional.

Considerei precipitada porque no mesmo instante carregava em minha mente a enorme vontade de auxiliar no crescimento do PDT em São Paulo e como sou político e portanto antenado principalmente nos movimentos da sociedade e suas demandas, minha intuição previa que a “renovação política” teria boa aceitação por parte do eleitorado. Mas também sou jovem e por isso inexperiente, o que me levou a crer que as incompatibilidades de Tabata com o trabalhismo poderiam se desdobrar em consequências que não conseguiria dimensionar.

Perguntei se após tudo o que tínhamos conversado, ela não achava que o PDT seria sua melhor casa, tanto para desenvolver sua candidatura quanto para construir um ambicioso plano de educação para São Paulo com respaldo dos melhores técnicos do Ceará e a chancela de Ciro.

Seu semblante foi único e inesquecível. Era nítido que ela ficara maravilhada com o horizonte político que poderia ser moldado. A famigerada “Experiência de Sobral” estava assentada como um oásis no nordeste setentrional (Ceará) e consequentemente, na vitrine do PDT. Mas era preciso de um, ou melhor dizendo, de uma representante em São Paulo.

Nesse aspecto a vinda de Tabata para o PDT “faria todo sentido”.

As contradições aparentes entre nosso norte ideológico e sua nítida formação social-liberal teriam condições de serem fustigadas à medida que ela fosse envolvida com a estrutura partidária, o “PND”, nossas principais lideranças, a base da militância e também pela futura justa cobrança dos eleitores que definiram a opção de voto por sua vinda para o PDT.

Uma possível vitória de Ciro e uma acolhida solidária, franca e genuína também seriam fatores preponderantes para pesar na balança ideológica de disputa e aposta do “quadro Tabata”.

Estava latente que caso fosse eleita em um futuro não muito distante chegaria o momento de fazer uma escolha.

A imponderável e singular ocasião mostraria quem teve mais força na batalha, mas de longe seria capaz de alcunhar aos responsáveis as insígnias de ingenuidade ou equívoco.

O caminho da disputa é o mais árduo e conflitante, mas se tratando de jovens sempre será imperativo!

Voltemos…

Ela não decidiu pela filiação imediatamente. Daquela conversa até a data de sua filiação transcorreriam mais de 30 dias. Muitos encontros e reuniões.

Nesse intervalo, corri para apresentar Tabata à direção do PDT de São Paulo. Também fiz a ponte entre ela e o nosso companheiro de JS, Túlio Gadelha. Consegui um breve diálogo entre ela e nosso presidente Nacional, Carlos Lupi, e também, pasmem, coloquei ela e o Ciro para se falarem novamente.

A última vez que isso ocorrera havia sido na famosa palestra de Ciro em Harvard, em que Tabata se apresenta como estudante de astrofisíca e ciências políticas e faz uma pergunta sobre o mundo político para ele. Com muito bom humor, Ciro disse: “Astrofisíca e Política? Oh Inveja!”

E foi no meu celular que em março de 2018 Ciro me ligou após pousar no aeroporto de Londres para uma palestra em Oxford, para falar com Tabata e convencê-la a se filiar no PDT. Lembro até hoje desse dia. Estávamos no diretório estadual do partido, na Brigadeiro, e Tabata ficou muito feliz e entusiasmada com o aceno de Ciro. Isso foi decisivo.

Dias antes de ir ao diretório do PDT para entregar definitivamente a ficha de filiação assinada, Tabata nos encaminhou uma carta compromisso do Acredito para ser assinada por ela em conjunto com a direção do PDT.

O Secretário Geral do PDT-SP assinou a “polêmica” carta. E digo mais. O PDT cumpriu exatamente tudo o que foi assinado. Todos os tópicos.

No segundo item, o PDT foi além. O acordo preconizava que os “Representantes cívicos do Acredito terão a chancela do partido para concorrerem aos cargos eletivos, com igualdade de condições em relação aos demais filiados ao partido.”, mas Tabata teve uma condição privilegiada no repasse de recursos pelo Diretório Nacional, no tempo de televisão de suas propagandas eleitorais e, acima de tudo, na dedicação de Ciro para divulgar sua imagem.

Ciro fez campanha para Tabata como para nenhum outro candidato. Veio até no lançamento de sua candidatura.

Agora, não há nenhum parágrafo neste acordo que apregoa que Tabata teria independência para votar como quisesse ou para votar de acordo com as orientações e fechamentos de questões do Movimento Acredito.

Por isso, utilizar o conteúdo dessa carta para justificar qualquer tipo de conduta ou votação da deputada que desrespeite as decisões internas, soberanas e democráticas do PDT é absolutamente irrelevante e inócuo, tanto do ponto de vista moral como legal.

De antemão, toda essa contextualização foi muito importante para de imediato afastar duas ilações de quem não vive no mundo político: a suposta “conspiração/ infiltração” de Tabata por Lehman para desestabilizar e neutralizar o único partido que resguardava a última trincheira de luta nacionalista no país e a de que o PDT estaria trazendo ela para ganhar votos e aumentar a sua bancada na câmara federal.

O primeiro absurdo foi difundido por uma respeitosa blogosfera de nacionalistas, mas não faz o menor sentido tendo como base a verídica sequência de fatos que narrei até aqui. A não ser que também achem que sou algum tipo de infiltrado do Leahman, por ter participado do RenovaBR. Acredito, contudo, que o conteúdo deste texto e minha trajetória de militância afastam essa hipótese.

O que pode ser válido questionar é a intensidade com que determinadas lideranças do PDT, me incluo aqui, defenderam e recrutaram Tabata na linha da tentativa de disputa. Mas uma sofisticada engenharia de penetração, pelo menos no momento de sua filiação, reitero, jamais ocorreu.

Inclusive, muita gente dos movimentos de renovação e que orbitavam a futura parlamentar foram contra sua vinda para o PDT e tentaram convencê-la até o último instante a rever a decisão. Não vou citar nomes.

Outra questão foi o boato espalhado pelos defensores de Tabata e membros dos movimentos paralelos com o objetivo de desmoralizar o PDT e dizer que nos aproveitamos eleitoralmente de Tabata e a usamos para benefício próprio.

Esse é um boato que pode ser desmentido pela própria deputada. Ela mais do que ninguém sabe das dificuldades encontradas para convencer a direção do PDT de que sua candidatura teria muito sucesso. Apesar de eu ser um entusiasta e ter convicção disso.

Na primeira reunião da executiva estadual, após o término do período da janela de filiações partidárias, em abril, alguns membros estimaram que ela teria no máximo 30 mil votos. Outros a chamaram de “blogueira”.

Se fizermos um comparativo entre os recursos do fundo eleitoral ou partidário recebidos por ela e alguns outros candidatos de São Paulo, veremos que ela não foi a maior beneficiada, apesar de estar muito acima da média. (Ainda mais se levarmos em conta a proporção do recurso sendo que já estava em vigência a legislação que garantia a cota de no mínimo 30% dos recursos do fundo para campanhas femininas).

Mas enfim. Toda essa introdução para que eu pudesse elucidar meus argumentos e finalmente me posicionar publicamente sobre o tema.

Vamos lá!

Partidos fortes e coesos são os responsáveis em primeiro grau pela vitória das democracias e o êxito de suas instituições.

Os partidos não podem servir de enfeites e devem possuir mecanismos internos que garantam a manutenção de suas ideologias bem como a retidão de seus quadros.

Não há melhor meio para se combater a corrupção dos agentes públicos, a malversação, a negociata, as chantagens, os lobbies indevidos e a roubalheira generalizada do que estimular que os partidos estejam ancorados e guiados pela fortaleza de seus ideais.

A democracia no Brasil, queira-se ou não, é representativa. Os partidos políticos representam partes e não o inteiro da sociedade.

Candidaturas independentes caracterizam os mais altos níveis de egoísmo e truísmo existentes. Significam criar uma casta de déspotas esclarecidos que julgam saber o melhor e único caminho para a nação. Todo e qualquer contraditório “faz parte de um conjunto de mentiras proliferado por agrupamentos obsoletos e que são escravos das suas amarras ideológicas ultrapassadas”.

Cria-se um discurso pseudo-técnico para justificar a implementação de uma agenda política e econômica que não tem nada de independente. Em doses cavalares isso pode beirar o fascismo.

O discurso da nova política dá origem a verdadeiras armadilhas ao estado de direito. Ele é vazio e superficial. Cria monstros onde não existem. De forma perniciosa, surfa na caricatura da ineficiência para travestir Lobos em Cordeiros e perpetuar as profundas desigualdades em nosso país.

E o mais deletério é que a nova política acaba se tornando um grande monstro indomável que se vira contra as figuras que a pariram num piscar de olhos. Basta ter deixado um pequeno rastro de incoerência, por mais digno e legalmente respaldado que seja, mas que colide diretamente com a caricatura forjada de um purismo messiânico.

Infelizmente, Tabata não só fez uma escolha equivocada como acabou sendo porta-voz direta ou indiretamente de todos os tópicos que acabei de citar acima.

Afirmou e reiterou em vídeo postado em suas redes sociais e artigo de opinião publicado no jornal “Folha de S. Paulo” que votou a favor da reforma da previdência por convicções pessoais e não eleitorais e que sua postura estaria motivando perseguições políticas oriundas de “partidos que já não representam a sociedade, mas somente alguns de seus nichos.”

Foi além e disse ainda: “as siglas ainda ostentam estruturas antigas de comando, e na maioria faz falta mais democracia interna. Muitas vezes, consensos sobre pautas complexas não são construídos de baixo para cima, e cartilhas antigas se sobrepõem aos estudos e evidências.”

Essas palavras vão justamente na contramão das ações e práticas do PDT.

Em convenção nacional do partido realizada no início do ano com a presença de Tabata colocamos em votação a proposta para fechamento de questão contra a reforma da previdência. Ninguém se manifestou de modo contrário. O encaminhamento foi aprovado por unanimidade. Isso é sinônimo de democracia.

Fomos o único partido na Câmara a apresentar um substitutivo ao projeto encaminhado pelo governo. Não somos irresponsáveis e fazemos uma oposição propositiva. Nosso projeto de reforma é fundamentado em muitas evidências e dados estatísticos, pra além de ser socialmente justo e sintonizado com nossos princípios.

Não queremos ver o circo pegar fogo e o povo morrer queimado. O PDT lutou nas comissões Especial e de Constituição e Justiça para melhorar o texto. Isso não significa que a PEC ainda não estava repleta de perversidades. Por isso, o PDT votou contra o texto base que foi aprovado e posteriormente apresentou destaques para redução de danos. Uma oposição mais propositiva que essa eu não vejo. Isso é democracia.

Com muita dor no coração, admito que todos esses elementos me levam a ter certeza de que Tabata não tem mais lugar no PDT. Ao assumir essa postura, Tabata se colocou avessa a valores elementares do trabalhismo e da subordinação partidária. Colocou sua opinião pessoal como mais inteligente e racional do que toda uma estratégia democraticamente postulada por um coletivo e, também, mentiu ao classificar o PDT de modo pejorativo.

Assumiu uma espécie de “dupla militância” e provou que quando a situação apertar, não estará junto conosco.

Me dói escrever cada palavra. Gosto muito da Tabata. Uma menina que aprendi a admirar e respeitar por sua grandiosa história. Jamais seria capaz de dizer uma vírgula sobre sua pessoa.

Eu errei. Se tem um culpado por tudo isso sou eu. Não queria colocar Tabata nessa situação. Sei que está sendo muito difícil pra ela. Talvez se não tivéssemos tomado aquele café na ALESP, nada disso estaria acontecendo agora. Nossos destinos seriam bem diferentes.

Mas como voltar no tempo é impossível, sigo o imperativo da coerência por mais duro que seja. Dou razão aos meus valores ideológicos e nada mais tenho a declarar.
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Gabriel Cassiano, estudante de economia da PUC-SP, membro do diretório nacional do PDT, membro da executiva estadual do PDT, presidente da JS-PDT da cidade de São Paulo e deputado estadual suplente.

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