Foto: columbia.edu |
Juan Gonzalez e Amy Goodman,
do Democracy Now *
Banco dos Brics irá financiar projetos de infraestrutura importantes para os países-membros, avalia Stiglitz|Foto: columbia.edu
Juan Gonzalez e Amy Goodman,
do Democracy Now *
Na última terça-feira (16), um grupo de cinco países lançou seu próprio banco de desenvolvimento para fazer frente ao Banco Mundial e ao Fundo Monetário Internacional, dominados pelos Estados Unidos. Governantes dos países conhecidos por Brics – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – divulgaram a criação do Novo Banco de Desenvolvimento em reunião de cúpula no Brasil. O banco terá sede em Xangai. Juntos, os Brics têm 40% da população mundial e 25% do PIB global.
Em entrevista aos jornalistas Juan González e Amy Goodman, do Democracy Now, o economista ganhador do Prêmio Nobel Joseph Stiglitz, fala sobre o que significa esse fato. Stiglitz é professor da Universidade de Columbia e autor de diversos livros, sendo o mais recente Creating a Learning Society: A New Approach to Growth, Development, and Social Progress (Criando uma Sociedade do Conhecimento: uma Nova Abordagem ao Crescimento, Desenvolvimento e Progresso Social).
Fale sobre o significado desse banco
Ele é muito importante, por várias razões. Primeiro, a necessidade de mais investimentos, globalmente – em especial nos países em desenvolvimento – é da ordem de grandeza de trilhões, algo como dois trilhões de dólares por ano. E as instituições existentes simplesmente não têm recursos suficientes. Eles têm o suficiente para 2% a 4% disso. De modo que a criação desse banco vem somar recursos ao fluxo monetário que irá para financiar infraestrutura, adaptação às mudanças climáticas e outras necessidades muito evidentes nos países mais pobres.
Segundo, ele reflete uma mudança fundamental no poder econômico e político global, e a ideia por trás disso é que os Brics são hoje mais ricos que eram os países desenvolvidos quando o Banco Mundial e o FMI foram fundados. Vivemos em um mundo diferente, mas as velhas instituições não acompanharam as mudanças. O G-20 concordou com uma mudança na governança do FMI e do Banco Mundial, criados em 1944. Houve algumas revisões, mas o Congresso dos EUA recusa-se a implementar esse acordo. Estas instituições não foram capazes de acompanhar a noção básica de que, no século 21, seus líderes deveriam ser escolhidos na base do mérito – não apenas por serem norte-americanos. Na prática os EUA negaram o novo acordo. Por isso, essa nova instituição expressa a assimetria e o déficit democrático na governança global — e tenta repensá-la.
Por fim, houve muitas mudanças na economia global. A nova instituição reflete o conjunto de mandatos, as novas preocupações, os novos instrumentos financeiros que podem ser empregados. Espero que, ao percebendo as deficiências do antigo sistema de governança, esta nova instituição estimule a reforma das instituições existentes. Não se trata apenas de competição. É uma tentativa real de obter mais recursos para os países em desenvolvimento, de maneira consistente com os seus interesses e necessidades.
Qual a importância de países como a China, que tem enormes reservas monetárias, e o Brasil, que criou seu próprio banco de desenvolvimento há um bom tempo, serem peças-chave na nova organização financeira?
É muito grande, e vale lembrar alguns pontos interessantes. A China tem reservas internacionais no valor de 3 trilhões de dólares. Para os chineses, uma das questões centrais é como usar estes fundos melhor do que apenas transformando-os em títulos do Tesouro norte-americano. Meus colegas na China dizem que isto é como colocar a carne na geladeira e desligar a eletricidade – porque o valor real do dinheiro convertido em títulos do Tesouro dos EUA está declinando. Eles dizem, “Precisamos fazer melhor uso desses recursos”, certamente melhor do que aplicá-los na construção de, digamos, casas de má qualidade em meio ao deserto de Nevada. Você sabe, há necessidades sociais reais, e aqueles fundos não têm sido usados com esses propósitos.
Ao mesmo tempo, o Brasil tem o BNDES – um enorme banco de desenvolvimento, maior que o Banco Mundial. As pessoas não se dão conta disso, mas o Brasil demonstrou na prática como um país pode, sozinho, criar um banco de desenvolvimento muito efetivo. Há um aprendizado sendo feito. E essa noção de como se cria um banco de desenvolvimento efetivo, que promova desenvolvimento real, sem todas as condicionalidades e armadilhas que permeiam as velhas instituições, será uma parte importante da contribuição do Brasil.
E qual a diferença no funcionamento do novo banco, com relação a outros bancos de desenvolvimento do Norte?
Ainda não sabemos, porque ele está apenas começando. O acordo vem sendo construído há algum tempo. As discussões começaram há cerca de três anos. Firmaram um compromisso e, desde então, vêm trabalhando nele com muita firmeza. Havia alguma preocupação de que pudesse haver conflitos de interesses entre os países. Todos queriam sediar o banco, queriam a presidência. Haveria coesão política, solidariedade suficiente para fazer um acordo? A resposta foi: sim, há. A mensagem que está sendo transmitida é que, a despeito de todas as diferenças, os países emergentes podem trabalhar juntos, de maneira até mais efetiva do que alguns países desenvolvidos conseguem.
Você é ex-economista chefe do Banco Mundial. Qual é a sua avaliação do Banco Mundial sob a presidência de Jim Yong Kim? Acabamos de completar o segundo aniversário de seu mandato.
Ainda é muito cedo para dizer. Demora um pouco para alguém tomar pé do Banco Mundial. É como um grande navio. Há um grande interesse em que ele traga uma força muito positiva para o banco – o foco na saúde e a preocupação com outras questões sociais. Mas, para ser bem sucedida nos temas relacionados a desenvolvimento, a instituição terá de continuar a se concentrar em alguns dos velhos temas.
E Kim tem uma experiência um pouco menor nos fundamentos do crescimento econômico. Penso que ele é provavelmente mais sensível a alguns dos problemas que foram o açoite das instituições financeiras internacionais no passado, como as condicionalidades exigidas para a concessão de empréstimos. Mas ele enfrenta um problema de governança. O presidente do Banco Mundial é escolhido pelos EUA, ainda que Washington não desempenhe mais o papel econômico e de liderança que desempenhou no passado. Todos acreditamos em democracia, e a democracia diz que a presidência não deveria ser confiada exclusivamente a um país.
Durante a crise do Leste da Ásia, no final dos anos 1990, um dos altos funcionários do Tesouro dos EUA disse, “Vocês estão reclamando por dizermos aos países o que devem fazer? Mas quem paga a banda, escolhe a música.” E agora, ouço os países em desenvolvimento – a China e os outros – dizendo: “Estamos pagando a banda. Somos os principais atores, agora. Temos os recursos, as reservas. E mesmo assim vocês não querem deixar que desempenhemos, no jogo, um papel que refleta o tamanho de nossa contribuição na economia.” Essa é uma queixa real, e é difícil para uma instituição ser tão eficaz como poderia, quando a governança está tão fora de sintonia com as realidades políticas e econômicas atuais.
Quero lhe fazer uma pergunta sobre imigração. Temos uma situação em que há um esforço para criar barreiras ao fluxo livre do trabalho. Qual o impacto que isso tem na economia mundial?
Há alguns aspectos a serem apreciados. Por um lado, é absolutamente verdadeiro que a livre mobilidade do trabalho teria um impacto maior, sobre as rendas globais, que a livre mobilidade do capital. A agenda que os EUA tem perseguido, a da livre mobilidade do capital, não tem sido impulsionada com base na eficiência econômica global. Trata-se, na verdade, de interesses especiais. São os bancos que querem isso.
* Tradução: Inês Castilho
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