moradores do centro, costumava perambular à noite pelas ruas seguras do comércio
parando de vitrine em vitrine onde praticavam um jogo pra lá de infantil, uma disputa.
Eles escolhiam para si os melhores produtos expostos - um por vitrine, e a cada vitrine
alternavam quem seria o primeiro a escolher, num rodízio. Ao fim do passeio, quem
“adquirisse” o melhor conjunto de produtos seria o ganhador daquela expedição. Essa
brincadeira ingênua e divertida tomava proporções surreais quando os moleques se
aproximavam do seu ponto final enquanto contabilizavam as “aquisições” de cada um.
O anúncio do vencedor da noite era feito exatamente na esquina da Andrade Neves
com a Sete de Setembro onde se deparavam e se encantavam com um bule gigantesco
pendurado na esquina de um bazar que tinha um nome assustador para aquela
piazada lotada de fantasias: Bule Monstro. E era realmente um objeto de proporções
estupendas pra aquela mandizada diminuta, mas não só, parecia ter sido extraído de
uma Alice no País das Maravilhas desenhado por um ilustrador gótico da pesada. Era
um bule realmente monstruoso, todo em ferro vazado com seus buracos preenchidos
com pedaços de vidros coloridos mas que, quando acesa a luz interna se transformava
num enorme e maravilhoso mosaico, numa jarra tridimensional luminosa e
multicolorida, mágica!
Era ali, no meio-fio da calçada sob luzes matizadas que se desembestava o
deslumbramento, começava a contação de histórias terrivelmente tenebrosas,
sanguinolentas e violentamente assustadoras, todas partindo do mesmo princípio: o
gigantesco monstro que dormia durante o dia no porão da Biblioteca Municipal e na
calada da madrugada saia pela rua Quinze de Novembro até aquela esquina para
servir-se de chá no seu querido Bule Monstro enquanto degustava transeuntes
desavisados das noites profundas, seu alimento predileto. Nenhum dos guris duvidava
daquela premissa que eles mesmo haviam inventado, uma mitologia tão convincente
que tinha até prova concreta - o bule! E mais, ele era colorido e luminoso porque o
monstro era meio cegueta e as cores brilhantes o ajudavam a localizá-lo. A partir daí,
cada um dos meninos se esforçava em superar o outro em histórias escabrosas
descendo vertiginosamente pelos calabouços da imaginação rumo ao medo. Até que,
algum deles começava a olhar ao redor e ao perceber que a noite apertava, lembrava
que a “hora do monstro” estava próxima e que era melhor ir embora, os outros riam,
debochavam, o acusavam de cagão, mas todos - um a um – dissimuladamente iam se
levantando, se despedindo e tomando o rumo de casa. Cada um carregando sua
porção de invenção e medo dentro de si.
Pena Cabreira 07/11/2023.
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