Gostaria de compartilhar um desabafo. Não sei se é apropriado, mas nos últimos tempos uma angústia vem crescendo dentro do meu peito, e percebo muitos colegas carregando também dentro dos seus peitos humanos este monstro que nos devora vontades, sonhos e vidas.
Hoje estou professor de História no Instituto Federal de Santa Catarina em Florianópolis. Já lecionei em muitas escolas, nos diferentes níveis de ensino e em várias cidades. Já passei por escolas públicas municipais, estaduais, particulares e confessionais. Hoje me dedico em tempo integral aos alunos da rede pública federal. Leciono História para os desvalidos da sorte, como o presidente Nilo Peçanha chamava o povo para o qual a escola técnica fora criada lá nos primórdios do século XX. Desvalidos do sistema, eu diria. Os moradores dos guetos sociais,dos territórios ensombreados, das cavas e covas urbanas. Tenho muito orgulho de lecionar História em um Instituto Federal, o mesmo que abrigou as aulas do professor Franklin Cascaes, o pesquisador que ouviu as gentes simples da Ilha de Santa Catarina, registrando suas memórias de bruxas e sua fé popular. E quando digo orgulho, não falo do envaidecimento, mas desta percepção de que nosso trabalho contribui ao fomentar nos meus colegas estudantes reflexões sobre o tempo presente à luz da reflexão teórica e da historiografia. Agora mesmo, escrevo em meu momento de descanso, rodeado de estudantes. São jovens e repletos de possibilidades. Ainda há pouco estávamos em sala de aula, lemos o poema de Bertold Brecht, "Perguntas de um trabalhador que lê", e assistimos aos vinte minutos iniciais do filme "Nós que aqui estamos por vós esperamos". Foi emocionante! A música de Wim Mertens embalou o debate. Falamos de Freud, de Hobsbawm, de Picasso, do alfaiate que sonhava voar, do bailarino Nijinski, da telefonista Martha Vertovska, que também empacotou milhões de cigarros. E só foi possível falarmos destas pessoas e do tempo que embalaram em seus medos, porque era uma aula de História. Daí o orgulho, porque a gente aprendeu que um Instituto de Educação Tecnológica não é centro de treinamento, mas território de potência criativa, de construção de cidadania, e também lugar de pensar profissões. Afinal, quem tem profissão professa algo, e eu prefiro professar a humanidade. Esta mesma humanidade que o governo federal tenta agora arrancar da educação pública a fim de devolver os jovens potentes à condição de desvalidos, não da sorte, mas dos interesses mesquinhos e individualistas de um mercado sem rosto, sem corpo e sem sonhos.
A razão pela qual caminhamos angustiados e envergonhados diz respeito a esta proposta que mutila nossa educação e aprofunda a ignorância das multidões, máquinas e buchas de canhão. Esta proposta que arranca a dimensão da poesia e da utopia das nossas escolas, tornando-as espaços de treinamento que formatarão humanos a operar como máquinas desalmadas e repletas de dor. Importante não esquecermos que Picasso, Freud e Lênin ladeiam Einstein nos pilares deste breve século XX, assim professa Marcelo Masagão depois de ler "A Era dos Extremos". Não haveria a física sem a filosofia, não haveria famílias sem memória, tampouco ciência sem arte.
Por isso é hora de nos levantarmos e dizermos não. Este governo que envia soldados para revistar crianças pobres como se fossem elas as responsáveis pela violência urbana, tenta agora assaltar o futuro, perpetuando a miséria entre aqueles que não dispõem de dinheiro para financiar seus estudos. A reforma do ensino médio agora imposta se apropria de conceitos caros ao debate pedagógico, como interdisciplinaridade, protagonismo e democracia, para esvaziá-los no pragmatismo de uma educação utilitarista e que atenda aos interesses de mercado, formando regimentos dóceis de homens e mulheres lama, bala e tela.
Não dá para aceitar. Não dá!
Viegas Fernandes da Costa
Prof. de História do IFSC
Hoje estou professor de História no Instituto Federal de Santa Catarina em Florianópolis. Já lecionei em muitas escolas, nos diferentes níveis de ensino e em várias cidades. Já passei por escolas públicas municipais, estaduais, particulares e confessionais. Hoje me dedico em tempo integral aos alunos da rede pública federal. Leciono História para os desvalidos da sorte, como o presidente Nilo Peçanha chamava o povo para o qual a escola técnica fora criada lá nos primórdios do século XX. Desvalidos do sistema, eu diria. Os moradores dos guetos sociais,dos territórios ensombreados, das cavas e covas urbanas. Tenho muito orgulho de lecionar História em um Instituto Federal, o mesmo que abrigou as aulas do professor Franklin Cascaes, o pesquisador que ouviu as gentes simples da Ilha de Santa Catarina, registrando suas memórias de bruxas e sua fé popular. E quando digo orgulho, não falo do envaidecimento, mas desta percepção de que nosso trabalho contribui ao fomentar nos meus colegas estudantes reflexões sobre o tempo presente à luz da reflexão teórica e da historiografia. Agora mesmo, escrevo em meu momento de descanso, rodeado de estudantes. São jovens e repletos de possibilidades. Ainda há pouco estávamos em sala de aula, lemos o poema de Bertold Brecht, "Perguntas de um trabalhador que lê", e assistimos aos vinte minutos iniciais do filme "Nós que aqui estamos por vós esperamos". Foi emocionante! A música de Wim Mertens embalou o debate. Falamos de Freud, de Hobsbawm, de Picasso, do alfaiate que sonhava voar, do bailarino Nijinski, da telefonista Martha Vertovska, que também empacotou milhões de cigarros. E só foi possível falarmos destas pessoas e do tempo que embalaram em seus medos, porque era uma aula de História. Daí o orgulho, porque a gente aprendeu que um Instituto de Educação Tecnológica não é centro de treinamento, mas território de potência criativa, de construção de cidadania, e também lugar de pensar profissões. Afinal, quem tem profissão professa algo, e eu prefiro professar a humanidade. Esta mesma humanidade que o governo federal tenta agora arrancar da educação pública a fim de devolver os jovens potentes à condição de desvalidos, não da sorte, mas dos interesses mesquinhos e individualistas de um mercado sem rosto, sem corpo e sem sonhos.
A razão pela qual caminhamos angustiados e envergonhados diz respeito a esta proposta que mutila nossa educação e aprofunda a ignorância das multidões, máquinas e buchas de canhão. Esta proposta que arranca a dimensão da poesia e da utopia das nossas escolas, tornando-as espaços de treinamento que formatarão humanos a operar como máquinas desalmadas e repletas de dor. Importante não esquecermos que Picasso, Freud e Lênin ladeiam Einstein nos pilares deste breve século XX, assim professa Marcelo Masagão depois de ler "A Era dos Extremos". Não haveria a física sem a filosofia, não haveria famílias sem memória, tampouco ciência sem arte.
Por isso é hora de nos levantarmos e dizermos não. Este governo que envia soldados para revistar crianças pobres como se fossem elas as responsáveis pela violência urbana, tenta agora assaltar o futuro, perpetuando a miséria entre aqueles que não dispõem de dinheiro para financiar seus estudos. A reforma do ensino médio agora imposta se apropria de conceitos caros ao debate pedagógico, como interdisciplinaridade, protagonismo e democracia, para esvaziá-los no pragmatismo de uma educação utilitarista e que atenda aos interesses de mercado, formando regimentos dóceis de homens e mulheres lama, bala e tela.
Não dá para aceitar. Não dá!
Viegas Fernandes da Costa
Prof. de História do IFSC
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