Instrumentos de tortura |
Podemos questionar os dados até por amostragem visual, mas é preferível identificarmos na própria proporção de negros que se auto declaram como tal a necessidade de entendermos os motivos que cercam esse reconhecimento da própria identidade.
Uma cidade que no censo de 2000 possuía cerca de 15% de sua população se auto declarando negra, cerca de 16% da população na época, perdeu população negra ou a própria auto imagem da cidade influencia o reconhecimento da própria etnia por parte da população?
A dúvida é pertinente se observarmos a própria composição étnica dos cargos da administração municipal, onde não há um negro sequer.
O que mudou na cidade que em 1814 possuía cerca de 25 mil negros, entre escravizados e livres, para 32 mil brancos; Em 2000 possuía cerca de 16% de sua população se reconhecendo negra e em 2010 esse percentual caiu para menos de 10% de reconhecimento entre negros e pardos?
Será que a população negra de Pelotas diminuiu, na contramão da população brasileira, ou será que a pressão da imagem da cidade, branca e cosmopolita, propagandeada nos cartazes, nas festas e eventos oficiais, na ideia da “Princesa do Sul” das charqueadas, onde fica o museu da Baronesa Branca e não o Fica Ahí Prá Ir Dizendo, impõe também uma ideia de que a cor negra não é exatamente algo que seja interessante adotar como identidade?
Pelotas, da torcida Xavante, a reconhecidamente mais negra do estado, é uma cidade onde a cor negra representa menos de 10% de sua população? No que a Pelotas do Centro Ethiópico, da Frente Negra Pelotense, do Depois da Chuva; Chove Não Molha; Fica Ahí Prá Ir Dizendo; Está Tudo Certo; Quem Ri de Nós Tem Paixão e do jornal A Alvorada se transformou? Sua identidade negra se diluiu, tornou-se branca, empalideceu, embranqueceu ou foi embranquecida a ponto de tornar-se invisibilizada?
As razões para que uma cidade com uma enorme população negra, reconhecida como a mais negra do Rio Grande do Sul, e com um associativismo negro reconhecido historicamente, amplamente estudado pela Universidade Federal de Pelotas, e demais universidades do Rio Grande do Sul, é algo a ser investigado, porém é inegável que uma cultura hegemônica que se entende como majoritariamente branca tem larga influência na própria percepção de identidade afrodescendente de Pelotas.
Passado o dia 14, 171 anos do vergonhoso Massacre de Porongos da Guerra civil farroupilha e as vésperas do dia 20 de Novembro é fundamental discutirmos porque a Pelotas negra se oculta, ou é escondida, de si mesmo e por quem culturalmente opta historicamente por preferir ser visto como parte da elite senhora de escravos a ver-se como uma sociedade multiétnica, poderosa e profundamente influenciada por uma africanidade orgulhosa. Africanidade essa que está ai nas ruas, todo dia construindo uma Princesa do Sul, uma princesa negra corajosa e não uma imagem de senhora pálida esposa do Barão.
Que Pelotas é a Pelotas de Verdade? A Pelotas Afrobrasileira ou a Pelotas cuja imagem branca influencia até o cotidiano de uma sociedade visualmente negra? Quem puder responder Fica Ahí Prá Ir Dizendo, porque nós, orgulhosos, vamos procurar A Alvorada, saindo desse Chove Não Molha e honrando nossa identidade, a mesma do Centro Ethiópico e da Frente Negra Pelotense.
César Brisolara é Presidente da Associação de Moradores da Guabiroba e militante do Movimento Negro e Hip Hop
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