Huguinho estava com um problema de fácil resolução. Possuía dois aparelhos de som, o seu preferido foi das primeiras coisas que comprou quando começou a trabalhar, o outro adquirira há pouco. Um amigo de sua irmã apareceu em sua casa com o aparelho, queria viajar para a Espanha e não tinha dinheiro suficiente. Passada a sua hora de boa ação, pensou: o que faria com dois aparelhos de som? Não que isso fosse um grande problema em sua vida. Mas, pra quê? Ficava incomodado em ter coisas das quais não precisasse. Botou um anúncio na parte de classificados, era moda naquela época em que as pessoas ainda liam jornal.
Não demorou três dias e apareceu um interessado. O suposto comprador se apresentou e examinou o aparelho. Após um teste verificou que tudo estava funcionando. Na hora de pagar argumentou que estava sem dinheiro, mas, que assinaria duas promissórias, as quais resgataria logo que não mais estivesse a descoberto. Huguinho concordou sem pestanejar, afinal a troco de que o tal homem não resgataria as tais promissórias, sobretudo com valores tão baixos.
Passado cerca de um mês do ocorrido Huguinho ligou para o comprador. Ninguém atendia naquele número. Ligou de novo no outro dia e nos outros dez dias subsequentes. Foi só depois do décimo dia que logrou êxito em suas tentativas. Uma mulher atendeu e explicou que o tal homem era um conhecido malandro que por uma dessas rasteiras do destino fora seu namorado e volta e meia usava o número do seu telefone em seus golpes. Pediu desculpas a Huguinho e desligou. Nem é preciso dizer que Huguinho ficou desolado com o acontecido. Não era pelo valor que estava vendo sumir no horizonte e sim por aquela sensação que estava sentindo, fora feito de bobo, se sentia o otário da vez.
Ficou metabolizando aquela raiva por uma semana. Em conversa com seu irmão mais velho foi aconselhado a procurar Adroaldo que era um conhecido advogado e amigo da família. Adroaldo era amigo de seu irmão há muitos anos, serviram juntos no serviço militar e eram solidários nos piores segredos.
Huguinho procurou Adroaldo e o colocou a par de tudo, na verdade o que sabia do malandro não era muito. Além do número do telefone, que sabia ser de outra pessoa, só sabia o nome, se é que era verdadeiro, nunca se sabe, com esse pessoal.
O advogado o tranquilizou, deixasse com ele, tinha muita experiência com esses malandros. Conhecia a psicologia dessa gente, eles vivem disso, não fossem esses golpes teriam que trabalhar e ser como eles, gente decente.
Além disso, argumentou Adroaldo, conheço muita gente na polícia, se tem gente que sabe lidar com esses malandros é o pessoal da polícia. Me dá uma semana, disse. Huguinho saiu dali aliviado, que bom ter vindo procurar o advogado, agora tinha certeza que o tal imbróglio seria resolvido e aquele sentimento de ser enganado seria esquecido. A única coisa que lamentava era ter que ter pedido um favor desnecessário, não gostava de depender de ninguém, paciência, pensou.
Em menos de uma semana Adroaldo já tinha em suas mãos todas as informações sobre o malandro. Era estelionatário contumaz, pequenos golpes eram a sua especialidade. Adroaldo resolveu que não iria ocupar seus amigos da polícia com aquele peixe pequeno, vou cuidar desse malandro pessoalmente, onde já se viu, essa gente perdeu o respeito. Foi até a casa do malandro, porém, chegando lá não logrou êxito. O dito cujo morava com a mãe, imagina a desfaçatez do crápula, ainda envolvia a velha em seus golpes. Deixou o recado em tom ameaçador: ele que me procure, caso contrário vou ter que tomar providências!!
Assustou bem a mãe do malandro e marcou o encontro em seu escritório para dali a dois dias. Durante esse tempo ficou devaneando sobre como iria acabar com aquele sujeito. Afinal de contas não era só uma questão de se saber quem manda, era também uma questão de mostrar àquele marginal quem é mais esperto.
No dia marcado chegou ao seu escritório cerca de meia hora mais cedo. Era suficiente para se preparar. Próximo das nove horas se ajeitou na cadeira e pensou, esse malandro não vai nem se atrasar. Nem bem o pensamento se desvaneceu e ouviu alguém batendo à porta. Ah, viu só, eu sabia, esse malandro tá no papo. Se ajeitou na cadeira e gritou um entra como se estivesse em uma feira livre. A porta foi abrindo aos poucos, como se a pessoa que estava entrando hesitasse. Adroaldo, embora não demonstrasse, estava envolvido por uma sensação triunfalista.
O malandro se mostrou, e parecia, perdido, foi entrando devagar, a cabeça baixa, parecia procurar algo no chão. Oi doutor, tudo bem? Falou finalmente, como se fosse uma súplica. Adroaldo nem deixou o homem seguir naquela introdução. Desandou a falar com o malandro como se fosse um inspetor de escola de cunho religioso. Onde é que já se viu? Aplicando um golpe vil em gente decente, o mundo está perdido mesmo . . . de passagem citou suas amizades e finalizou dizendo um, como é que vai ser? em tom de ameaça.
Depois de ficar em silêncio por um momento o homem começou a falar. Uma fala arrastada, disse que se arrependia de ter agido daquela maneira. Me perdoe doutor, se eu pudesse mudar a minha vida, ah se eu pudesse . . . dava pena.
Adroaldo voltou a carga, como é que ficamos? O homem falou, tem um jeito! Tenho um vídeo cassete no conserto, posso vender rápido por um bom preço e acertar tudo com o senhor. O advogado fez uma careta, enfim, era o único jeito. Está bem, disse.
O malandro voltou à carga, é que eu estou desprevenido. O advogado nem falou nada, só puxou a carteira e disse, quanto? O malandro falou o valor.
Foi tudo muito rápido, o advogado agradeceu a partida do malandro com alívio enquanto guardava a carteira. Nem bem o malandro desceu dois lances de escada e Adroaldo já estava se sentindo como Huguinho.